“Vá se tratar no SUS, Lula” e as redes sociais

Após ser divulgada a notícia do câncer do ex-presidente Lula, manifestações diversas tomaram conta das redes sociais. Entre elas, a sentença: “Vá se tratar no SUS, Lula”. Deixando de lado o personagem Lula e quaisquer considerações que possamos fazer a respeito, retiro o vocativo (Lula), deixando-o propositalmente vago e faço minhas reflexões acerca da sentença daqueles que desejam a um ser humano com câncer o “pior” (no caso, o SUS, deixando claro aqui que esta não é a opinião do autor deste texto e sim daqueles que a propuseram, pelo que podemos entender com a mensagem subliminar).
À primeira vista parece simplesmente um caso de ausência de solidariedade. Contudo, concluo ser mais que isso: não a ausência daquela, mas sua substituição pela crueldade. Enquanto uma remete à indiferença, alienação, a segunda remete à barbárie. Algo como: “Está com câncer? Dane-se você!”
Há cerca de dez anos atrás, ao assistir a cenas em que estudantes saudavam seus colegas, por ocasião do aniversário deles, com as famosas “ovadas” (para quem não se lembra, consistiam em jogar ovos, muitas vezes estragados e também farinha de trigo, sobre os aniversariantes), me ocorria a indagação: se hoje eles presenteiam seus amigos dessa forma, o que reservarão, no futuro, a seus desafetos? Certamente que campanhas como essas, via redes sociais, são parte da resposta à minha indagação.
Entretanto, considerando especificamente o fato mencionado, outra questão se apresenta: quais serão os objetos do ódio dessa turba, além de Lula e do SUS? As leis, as regras, o direito a receber tratamento digno, estando doentes? Os cidadãos que trabalham e pagam impostos? As gerações anteriores, que vêm colocando suas vidas em favor da construção de caminhos mais justos e igualitários para nós, brasileiros? Os portadores de doenças graves? Os doentes de qualquer ordem? Os que necessitam de cuidados porque são, simplesmente, criaturas humanas (e, portanto, sujeitos a adoecer)?
Inúmeras vezes mencionado, o grande poeta Fernando Pessoa nos lembra que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Mesmo a doença. Mesmo uma doença grave como o câncer. Porque, se a alma não é pequena, é possível aprender com a doença, inclusive. Fico tranquilo quanto o Lula e mais este aprendizado que, estou certo, fará. Porque sua alma é imensa e sua sabedoria maior ainda. E aí está a grande diferença entre o sábio e o ignorante: somente o primeiro é capaz de aprender com a experiência, com a dor, a alegria, os erros, os acertos, enfim, com a vida. Que aí está, para ser vivida e decifrada a cada dia. Mesmo – ou principalmente – numa época de tamanha movimentação virtual, de qualidade, por vezes, duvidosa.

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