A crônica da semana/ AH, UMA JAULA!




                          Wagner Fontenelle Pessôa 

O bisavô dos meus filhos, lá pelo lado da mãe deles, era, pelo que dizem, um homem muito educado e de espírito refinado. Eu não cheguei a conhecê-lo, pois só me meti na sua família depois que ele já se fora, para outro plano. Mas conheci quem o tenha conhecido e as referências que ouvi à sua pessoa confirmam o perfil que dele traçou para mim  e a sua neta, com quem me casei e com quem lhe garanti dois bisnetos.
       Tratava-se de um homem elegante e metódico, no modo de se vestir e no seu jeito de ser. Elegante, mas sem exagero. Chamava-se Evandro e era o que se conhecia, então, como "guarda livros" — um termo antigo, para identificar o que hoje é designado como contador — de uma instituição bancária, na sua cidade.
       Gostava de ópera, de música clássica e não era raro que se deslocasse até o Rio de Janeiro, de quando em vez, pelo simples prazer de assistir a um bom espetáculo de teatro. Já na maturidade e com os filhos casados, continuava a tratar a mulher com extremo carinho e fineza, sendo do seu costume presenteá-la com bonitas joias, nas ocasiões especiais. E era, também neste sentido, um homem de gosto apurado.
       Mas no banco em que trabalhava, havia um outro funcionário, português de nascimento, vindo muito novo ainda para o Brasil, em companhia dos pais, que para cá imigraram. E que, bem ao contrário do "guarda livros", era um grosso! O homem não relinchava por modéstia e, se caísse de quatro por algum acidente, talvez se sentisse numa postura confortável e nunca mais se levantasse.
       Pois, tosco assim deste jeito, é compreensível, que a certa altura da vida e do casamento, enfrentasse alguns problemas no relacionamento com a mulher. Não que a portuguesinha, também filha de imigrantes, fosse lá alguma "lady"! Mas é que, para tudo, tem limite. Inclusive, para que se tolere a falta de gentileza num relacionamento matrimonial.
       Foi bem numa fase dessas que, numa tarde de menos movimento na agência bancária a que ambos serviam, desabafou com o "guarda livros", dizendo-lhe que as coisas iam mal dentro de casa e pedindo-lhe algum conselho, que pudesse ajudá-lo a sair daquela crise conjugal. E o bisavô dos meus filhos, acostumado a mimosear a mulher — dona Nair — com presentes e delicadezas, sugeriu ao colega de trabalho:
       — Olha, vem aí o Dia das Mães... Compre um presente bonito para ela, alguma coisa de que ela goste ou esteja precisando. Um agrado ajuda a melhorar as coisas. Vai ver que isso melhora o clima e as coisas se acertam entre vocês.
       O português pareceu gostar da ideia e disse que cuidaria disto no sábado, já que a data dedicada às mães seria naquele final de semana. Mas, na segunda feira seguinte, ao chegar ao trabalho, ainda não parecia estar muito animado. Atencioso, o "guarda livros" Evandro mostrou interesse e lhe perguntou:
       — E aí, fulano, a sugestão funcionou?
       No que foi surpreendido pela resposta meio frustrante do outro, que lhe disse:
       — Qual o quê! A mulher continua com a mesma cara feia de sempre.
       — Mas, e o presente? Você não lhe deu um presente pelo Dia das Mães?
       — Dei, sim!
       — E o que foi que você comprou para ela?
       — Um escovão, porque ela adora encerar a casa! Toda semana ela encera aquele assoalho!
       Muitos anos depois desta história, que imaginei tratar-se de uma pilhéria dos colegas com o português, ela foi confirmada para mim, pelo próprio filho do personagem, que trabalhou comigo numa universidade, onde ambos lecionávamos:
       — É verdade! Meu pai deu, mesmo, um escovão de presente para a mamãe.
       Dou por vista a sutileza com que o lusitano tratava a mulher em casa. Ah, uma jaula, para prender um animal desses!

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