O LADO BOM DA HISTÓRIA
Wagner Fontenelle Pessôa
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Raulino
tinha um medo assumido de avião. Medo, aliás, não é a melhor forma de definir
as coisas. Na verdade, ele ficava em pânico diante da simples possibilidade de
entrar num bicho voador daqueles! Preferia viajar sentado num ônibus, três dias
e mais três noites inteiras, para vir do Piauí ao Rio de Janeiro, do que entrar
naquela desgraça de transporte!
Os amigos mais chegados sabiam disto
e faziam troça com o assunto, combinando, diante dele e de vez em quando,
viagens fictícias ao exterior, nas quais o incluíam, mencionando voos e rotas,
só para ouvir o "pipoco" que viria em seguida:
— De avião eu já disse que não vou,
de jeito nenhum, porque, no dia em que eu entrar nessa droga, ele cai comigo! Só
faço uma viagem dessas se for num navio!
Os amigos se divertiam com a sua
paúra pelas viagens aéreas, falando como se fosse sério, nas conversas sobre o
tema:
—
Sem condição, Raulino! De navio, gastaríamos a maior parte do tempo só
na viagem. E, além do mais, se o avião cai, o navio também afunda!
E ele, irritado, como se a conversa
fosse prá valer:
— Problema nenhum! Porque nadar eu
sei; o que eu não sei é voar... E se aquele troço despenca com a gente, não tem
escapatória!
Piauiense de Campo Maior, Raulino,
ainda muito jovem, viera tentar a vida no Estado do Rio, em busca de melhores
oportunidades. Começou como padeiro na padaria de um português, aprendeu outras
coisas, além do oficio, chegou a gerente e acabou abrindo o seu próprio negócio,
no ramo da panificação.
Melhorou de vida, mas não perdeu o
medo de voar. Para visitar a família no Piauí, o que só acontecia de muito em
muito tempo, ia de carro — levando a mulher e os filhos — ou ia de ônibus, numa
viagem mais arrastada e cansativa. Viajar de avião, ele jamais cogitava!
Um dia, porém, recebeu uma ligação
de Campo Maior. Sua mãezinha, à beira da morte, manifestara o desejo de deitar
os olhos, pela derradeira vez, no filho distante. O assunto requeria a sua presença
urgente em solo piauiense, o que afastava a possibilidade de uma viagem
terrestre. Pelo que lhe dissera a irmã, não daria tempo. A velhinha estava na
soleira da porta por onde se passa desta para melhor.
Tomado de agonia, resolveu se
arriscar, pela primeira e última vez, a entrar num bicho daqueles. Mas, com
todos os voos lotados e ainda a fila de espera, na alta temporada, não
conseguia nenhuma reserva com destino ao Piauí! Apelou para os amigos mais
experientes e de um deles, oficial da aeronáutica, foi que veio a solução:
— Amanhã sai um avião da FAB com
destino a Belém, que vai fazer uma escala em Teresina e lhe consegui uma vaga. Chegue
à Base Aérea às seis da manhã, que estarei lá, para colocá-lo a bordo.
Raulino agradeceu e aceitou, mas
passou a noite em claro e morto de medo. "Essa droga vai cair
comigo", pensava ele agoniado, enquanto a mulher dormia. E quando mal
havia cochilado, a estridência do despertador o chamou de volta aos temores.
Ele se levantou e, como um condenado, tomou o caminho do aeroporto.
Quando foi levado a bordo pelo
amigo, tenso e com as mãos frias, ele lhe disse, mal contendo o pânico:
— Esse troço não vai conseguir nem decolar,
comigo dentro!
O amigo buscou tranquilizá-lo,
dizendo que deixasse de bobagem, que aqueles aviões faziam esses voos regularmente
e que tudo sempre corria bem. Falou da destreza e competência dos pilotos da
FAB e, para arrematar, explicou que, em caso de
necessidade, a aeronave possuía paraquedas para todos. Mas Raulino não se conformava:
necessidade, a aeronave possuía paraquedas para todos. Mas Raulino não se conformava:
— Se ele conseguir decolar, vai ter
algum problema durante o voo. E se eu tiver de pular com um paraquedas desses,
o meu não vai abrir!
Apesar de tudo, foi a bordo e
sentou-se ao lado de um sargento da aeronáutica, transferido para Belém, a quem
confessou o seu medo e demonstrou sua agonia. O outro tentou acalmá-lo,
explicando algumas coisas sobre a aeronave que, apesar do seu tamanho, voava
como um pássaro. Mas a conversa foi desperdiçada!
Já sobrevoando o Nordeste, o avião
começou a apresentar problemas, perdeu um motor e quando o outro já começava a
falhar, vendo o comandante que a queda era iminente, ordenou que todos
colocassem seus paraquedas e se preparassem para o salto não programado. Pálido
de medo, Raulino foi equipado com a ajuda do tal sargento, ao mesmo tempo em
que recebia, deste, as instruções de última hora:
— Você vem logo atrás de mim. Quando
eu saltar, você salta em seguida. Conta até dez e aí, puxa essa argola aqui,
que o paraquedas se abrirá
automaticamente. Daí, até lá embaixo, será uma descida suave. Mantenha a calma, que tudo acabará bem!
automaticamente. Daí, até lá embaixo, será uma descida suave. Mantenha a calma, que tudo acabará bem!
Dito e feito. A porta foi aberta, o
salto foi autorizado e o sargento saltou, esperando que Raulino viesse em
seguida. Fez a contagem mentalmente e quando puxou a argola do paraquedas, este
se abriu, como era de se esperar. Foi quando, a toda velocidade, passou alguém
ao seu lado, gritando:
— EU NÃO
DIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIISSE?!!!
Era o piauiense, cujo paraquedas,
realmente, não havia funcionado. Mas, a partir daquele dia — e este é o lado
bom da história — Raulino nunca mais teve medo de avião!
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