Crônica da semana/ HOMENAGEM INFELIZ
Wagner
Fontenelle Pessôa
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De
1971 a 1975 residi e trabalhei em Manaus, que se encontrava, naquela época, em
plena euforia da Zona Franca. Uma estratégia que o regime dos militares adotou,
para conceder incentivos fiscais àquela área, inclusive, com a isenção de uma
série de impostos, com o propósito de impulsionar o desenvolvimento comercial e
industrial da região.
A legislação federal que lhe
concedia a isenção de tributos de importação e exportação vinha, na verdade, da
segunda metade da década anterior — o Decreto de criação da Zona Franca de
Manaus datava de 1967 — mas foi no início dos anos 70 que a capital do Estado
do Amazonas entrou em ebulição, pelos efeitos desse decreto. Exatamente, no
período em que estive por lá.
Naquela época, não só o turismo para
a Região Amazônica se intensificou de uma forma significativa, em razão deste
fato, como a vida, os costumes e a economia, sobretudo na cidade de Manaus,
experimentaram transformações profundas. E foi interessante estar vivendo por ali,
no momento em que tais coisas aconteciam, para poder acompanhar esse processo,
tão de perto quanto pude acompanhar.
Empresários já bem estabelecidos na
capital amazonense, que haviam consolidado seus negócios no comércio dos
produtos regionais — como a juta, a borracha, a castanha e outros mais — entenderam
as oportunidades dos novos tempos e, aos poucos foram diversificando seus
negócios e inaugurando lojas de eletrodomésticos, motores náuticos, além de
motocicletas e até carros importados.
Mas eu me lembro de um deles, em
particular, que se dedicou, com muito sucesso, ao ramo das roupas, calçados e
artigos esportivos importados. Chamava-se Belmiro Vianez. E, além de
comerciante, também era muito conhecido como radialista e comentarista de
esportes, que, além do rádio, também tinha um espaço na programação esportiva
de uma das emissoras locais de televisão.
Ele possuía uma forma peculiar de
fazer os seus comentários, com uma impostação de voz carregada e algo
dramática, sendo de seu gosto dar um certo tom de suspense e sensacionalismo a
determinados episódios, sobretudo quando intervinha na narração de um jogo ou
no programa semanal que
apresentava na televisão manauara, sob a esclarecedora designação de "Ídolos do Passado".
apresentava na televisão manauara, sob a esclarecedora designação de "Ídolos do Passado".
No programa ele trazia, como
convidados, velhos jogadores de tempos mais antigos, dos clubes de futebol do
Amazonas, como o Nacional ou o Rio Negro, por exemplo. Entrevistava aqueles
ídolos do passado, como uma forma de homenageá-los. E, na finalização, lhes
fazia uma surpresa, fazendo entrar no estúdio alguma pessoa importante para a
vida do entrevistado, como a mulher, a mãe ou alguém de sua cidade natal. Que a
produção mandava buscar sob sigilo, para provocar um momento final de emoção. Pois
era justamente aí que o apresentador "deitava e rolava", no seu
estilo melodramático!
Numa dessas ocasiões, o convidado
era um antigo jogador, que se chamava Mariano, mas que, em razão de suas pernas
acentuadamente cambotas e dos pés meio virados para dentro, ganhara, nos seus
tempos de gramado, um apelido, que não o agradava muito: "Periquito".
Não gostava, mas não conseguia escapar dele, porque com esse nome é que ganhara
fama como craque, do Nacional Futebol Clube, se não me engano. Pois lá se foi o
Mariano para o programa do Belmiro.
E, como de praxe, quando aquela
edição do "Ídolos do Passado" foi chegando ao fim, criando o suspense,
o apresentador disse ao convidado, em tom paternal:
— "Periquito", meu filho,
tenho agora uma surpresa para você!
E depois de alguns segundos, para provocar
o clima que desejava, adentrou o estúdio uma idosa, mãe do velho jogador, que a
produção do programa trouxera de algum lugar distante, onde ela ainda vivia.
Foi, realmente um momento de emoção, bem ao gosto apresentador.
Porém, após o abraço entre mãe e
filho, meteu-se o Belmiro Vianez entre os dois e, mãos nos ombros de um e do
outro, fez um comentário que marcou, de maneira hilária e para sempre, o
apresentador e o programa:
— Minha senhora, o seu
"Periquito" já deu grandes glórias ao Amazonas! Mas, hoje, está velho
e baqueado...
Com o tempo esgotado, apareceram na
tela os letreiros que encerravam o programa. E ninguém ficou sabendo se a
velhinha respondeu alguma coisa ou o que aconteceu, depois, naquele estúdio da
televisão manauara.
Aquilo, sim, é o que se poderia
chamar de uma homenagem infeliz: irem buscar a mãe do "Periquito" lá
no interior amazonense, para ouvir uma desgraça daquelas!
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