Crônica da semana/ AS COISAS DE SEU VALDIR


                    Wagner Fontenelle Pessôa                       

Seu Valdir foi uma dessas pessoas que eu muito estimei e com quem gostava de conversar, sempre, quando e onde isto fosse possível. Mas, por uma dessas razões que a gente não entende e nem consegue explicar, partiu para um outro plano, muito antes do que o meu pouco conhecimento sobre essas coisas me possibilita compreender e aceitar.

            Para quem não o conhecesse, poderia parecer um tanto "sincero demais", sobretudo, quando se tratava de algo que não fosse do seu agrado. Não fazia rodeios para dar a sua opinião, sendo preferível estar nas suas "boas graças" do que não estar. Num círculo mais íntimo, no entanto, em meio à sua família e na proximidade dos amigos que frequentavam a sua casa, era de uma dedicação e hospitalidade a toda prova. Além do que a sua companhia, nessas ocasiões, tornava o ambiente sempre mais divertido. Inclusive, porque ele adorava uma boa prosa e tecia comentários engraçadíssimos, sempre que alguém contava um caso qualquer.

            Ele próprio adorava contar alguma história ou anedota, em meio àquela conversa que se espalhava pelo ambiente, embora, de vez em quando, com todos os circunstantes aguardando pelo desfecho da narrativa, ele estancasse de repente e dissesse, sem demonstrar nenhum embaraço:

            — Eu acho que me esqueci como é o final...

            E nem precisava terminar, porque só isto já era o bastante para que a gargalhada tomasse o ambiente e a conversa prosseguisse dalí mesmo.

            Conheci o Seu Valdir num desses lances de pura sorte, que a vida nos apronta de vez em quando, porque, sendo amigo de suas duas filhas e respectivos genros, acabei tendo a oportunidade de me agregar àquele privilegiado circulo de pessoas que frequentavam a sua casa. E do mesmo modo, também fiquei conhecendo dona Edi e dona Eny, sua mulher e sua cunhada, mãe e tia da meninas, a quem me afeiçoei, igualmente e para sempre.

            Numa praia relativamente próxima daqui eles possuíam uma casa de veraneio. Uma casa linda, no estilo de um chalé colonial, com paredes brancas e janelas azuis. Embora, pelo seu tamanho de muitos cômodos, fosse grande demais para aquilo que costumamos chamar de um chalé. Era lá que, muitas vezes, sobretudo durante a temporada de verão, a família se reunia e recebia os amigos. Mas, mesmo fora da temporada, o Seu Valdir também gostava de ir até essa praia, de vez em quando.

            Ia sozinho, a pretexto de olhar a casa e providenciar algum reparo ou coisa semelhante para a sua manutenção. Mas guardo comigo a impressão de que ele punha, nessas excursões praianas, em períodos de balneários vazios, um pouco daquele exercício que os homens gostam de fazer e as mulheres, nem sempre, compreendem bem: aquele negócio de querer ficar sozinho por uns momentos, sem pensar em nada, objetivamente, mas apenas deixando as ideias e as lembranças correrem livres. Sem qualquer direção determinada e, apenas pelo prazer de soltar as amarras do pensamento.

            Pois houve um dia em que, enquanto se preparava para ir à praia, a sua cara metade resolveu que iria também. Em ocasiões tais, não há como um homem explicar que prefere estar sozinho, porque isto despertará na mulher, de imediato, a sensação de que ele está dizendo tal coisa por alguma razão que não deve ser boa para ela. Então, Seu Valdir fez o que qualquer homem de bom senso deve fazer numa situação dessas: carregou dona Edi junto com ele. Mas é óbvio que aquele momento de estar só consigo mesmo, já ficou algo prejudicado.

            Foram até lá, verificaram as coisas da casa e, como ele sempre gostava de fazer antes de retornar, foram até a beira do mar e se sentaram na areia, onde permaneceram por algum tempo, vendo o dia que terminava aos poucos. E como era a fase da lua cheia, enquanto o sol ia se escondendo por trás deles, pela sua frente começou a despontar, na linha que separa o mar do céu, uma lua enorme e linda.

            Em silêncio, seu Valdir deixava as ideias fluírem, como era do seu agrado fazer, nesses passeios singulares. Foi quando dona Edi, que é uma pessoa muito intensa no seu jeito de falar e contar as coisas, interrompeu as divagações do marido, admirando-se com aquele belíssimo espetáculo da natureza:

            — Meu Deus do Céu! O que é aquilo, Valdir?!

            Trazido de seus pensamentos, abruptamente, de volta para a praia, pela pergunta óbvia, mesmo que apenas retórica, que lhe fazia a mulher, respondeu do seu jeito peculiar e direto, temperado, embora, com um certo grau de impaciência:

            — É um tubarão, com uma lanterna na boca, Edi!

            Deu por encerrada a questão e se levantou para irem embora. Porque eram assim as coisas do Seu Valdir. Uma figura verdadeiramente inesquecível...

Um comentário

danielle sa e gama disse...

Hahaha!!! Totalmente verdadeira a estória meu amigo! Boas lembranças! Obrigada!