Crônica da semana-ESTRANHA FORMA DE SE FAZER UM CONVITE
![]() |
Wagner Fontenelle Pessôa
|
O
alcoolismo é uma coisa muito séria. Mas, por ser uma prática socialmente aceita
— ou, pelo menos, tolerada — é um problema de saúde pública com o qual vamos
convivendo, de forma mais ou menos tranquila ou condescendente. Porque somente
aqueles que têm, na família ou em suas proximidades, alguém dependente do
álcool é que conseguem aquilatar a dimensão do drama para o qual todos são
arrastados, por uma situação dessas.
É, como sabemos, um problema que acomete
pessoas em, praticamente, todas as sociedades humanas, independente de sua
localização geográfica, das convicções religiosas que nelas sejam majoritárias,
da etnia que as caracteriza ou dos padrões culturais de cada lugar. E, antes
que me apareça alguém dizendo que nos países de predominância mulçumana não
existe esse problema, é melhor colocar as coisas em seus adequados termos.
Não é que, nas sociedades islâmicas,
não exista quem faça uso das bebidas alcoólicas. O que acontece é que, em tais
sociedades, o seu consumo é considerado um crime grave e, portanto, há uma
enorme repressão quanto a essa prática. Se alguém for descoberto bebendo, é
certo que irá sofrer sérias e dolorosas consequências. Porque ainda fazem parte
do sistema penal desses países punições muito severas, como a pena de morte e
os castigos corporais. E mesmo assim — embora beber seja considerado, à luz do
Alcorão, um gravíssimo pecado — também há alcoólicos ou alcoolistas entre os
mulçumanos.
A História demonstra, aliás, que a
proibição e a repressão dificultam, mas não evitam a produção e o consumo das
bebidas, em nenhuma parte do mundo. Na primeira metade do século passado, na
década de 1920, quando se estabeleceu a "Lei Seca" nos Estados
Unidos, isto acabou por estimular a fabricação e a venda clandestinas de
bebidas alcoólicas por lá. E ainda trouxe, como consequência, uma onda de
gangsterismo, que redundou na desmoralização das autoridades, com o aumento da
corrupção e da criminalidade.
Como podemos perceber, não é com
ações moralistas que se resolve um problema de tal gravidade. Mas como o
álcool, diferentemente de outras substâncias que causam a dependência, é
tratado como se fosse algo menos maléfico, isto acaba por permitir que aos
alcoolistas se dê um tratamento social mais ameno. E os consumidores habituais daquela
"água que passarinho não bebe" são vistos sob um ângulo jocoso, o que
não acontece com os crackudos, cocainômanos ou com os viciados em heroína, por
exemplo.
É por este motivo que o anedotário
nacional está repleto de histórias divertidas, cujo protagonista é o popular
"bebum". Porque o "bêbado da anedota" é sempre aquela
figura meio desorientada, algo patética e inconveniente, que diz as coisas mais
inusitadas e faz todo mundo rir. Como aquele que, não se sabe por qual motivo,
entrou numa igreja, já quase no horário de começar a celebração da noite.
O padre, naquele confessionário
fechado por uma cortina, que fica numa das naves laterais do templo, terminava
de ouvir a narrativa das mazelas morais de alguns fiéis, que pretendiam
comungar na
próxima missa, prestes a ter início. E os bancos já estavam quase
totalmente ocupados, quando o "pé-de-cana" gritou, lá da entrada, tropeçando
nas palavras e nos degraus:
— Atenção aí, pessoal! Amanhã é o
meu aniversário! Vou fazer um churrascão lá em casa... Vai ter comida e bebida
prá todo mundo! E vocês estão convidados!
Surpreendidos, os fiéis se voltaram
para trás e o constrangimento tomou conta do ambiente. Aí o padre, percebendo a
confusão, afastou a cortina, colocou a cabeça para fora do confessionário e
tentou botar ordem no recinto, com uma cara de poucos amigos. Olhou para o
bêbado e, sem se levantar de onde estava, o advertiu:
— Vamos acabar com essa gritaria,
que esta aqui é uma casa de oração e contrição!
Mas o bêbado não se deu por achado. Voltando-se
para o sacerdote, estendeu-lhe o convite:
— Não precisa se zangar, homem!
Você, que está cagando aí, também tá convidado prá minha festa!
O pileque era tão grande, que o pinguço
não compreendeu o que o padre estava fazendo, sentado dentro daquela
"casinha". Mas, convenhamos que, de qualquer jeito, essa é uma
estranha forma de se fazer um convite.
Nenhum comentário
Postar um comentário