Crônica da semana/MEIO SURDO OU MUITO PRAGMÁTICO

Wagner Fontenelle Pessôa
Morando numa pequena cidade de interior, aquele pequeno comerciante mandou a filha estudar na capital, embora com bastante sacrifício, acreditando que lá ela teria melhores oportunidades para se encaminhar na vida. A menina — na verdade, uma linda adolescente — foi e se alojou numa espécie de pensionato, recomendado por algum parente ou conhecido.
            E por lá ficou a garota durante vários anos, sem retornar ao convívio da família no interior, mesmo nos períodos de férias. Assim, ela evitava o gasto com as viagens e ainda conseguia algum trabalho temporário, que a ajudasse com suas despesas fora de casa. Pois parece que o esquema ia funcionando a contento, porque, depois de alguns meses, dispensou os pais da mesada, explicando que já ganhava o suficiente para sustentar-se sozinha.
            A comunicação era feita por carta e, nas situações mais urgentes, por telegrama, já que ainda não era o
tempo dos celulares e nem das comunicações virtuais. O tempo ia passando e a mãe saudosa escrevia à filha, perguntando quando ela viria visitá-los e se aquele curso não teria mais fim. Em resposta, a garota explicava que o curso já terminara, mas como ela fora logo chamada para um emprego, não estava podendo se ausentar, pelo menos por enquanto.
            Contudo, alguns anos depois, a garota — agora não mais tão garota — escreveu aos pais, dizendo que, finalmente, iria poder se afastar por uns dias do trabalho. E, sendo assim, que iria visitá-los. Foi um rebuliço na família, assim como entre os vizinhos e amigos. Era a filha que retornaria à cidadezinha, após tanto tempo, agora formada e com uma carreira que, garantiam seus pais, ia de bem a melhor.
            No dia apalavrado, lá chegou a moça. Não no velho e poeirento ônibus que fazia aquela linha, como muitos imaginaram, mas dirigindo o seu próprio carro. Um carro esportivo vermelho, novinho e lindo, como nenhum outro que já passara por aquele fim de mundo! E quando parou, bem em frente à casa dos pais, houve um misto de surpresa e encantamento, por aquele povo simples do lugar, que queria rever a menina que se fora um dia e lá retornava pela primeira vez.
            Ela desceu do carro e foi outro instante de deslumbramento. Perdera o jeito de menina e se transformara numa mulher verdadeiramente exuberante! Isto, associado à forma como estava vestida e com os complementos que usava, fez com que os vizinhos se manifestassem com gritos de entusiasmo e aplausos, como se estivesse chegando uma artista famosa. O pai contendo a emoção, como era do seu costume e a mãe chorando emocionada, abraçada à filha que fora para longe e vencera na vida.
            Todos queriam falar com ela e saber alguma coisa sobre a vida na cidade grande. Era tanta pergunta e tão pouco tempo para atender a todos, que a mãe, ansiosa por guardar a filha só para si por algum tempo, terminou pedindo desculpas e dizendo que a filha precisava "acabar de chegar". Que iria tomar um banho, jantar e se deitar, que a viagem deveria ter sido cansativa. E que, no dia seguinte, todos poderiam conversar com ela.
            Assim foi dito e assim foi feito. Depois de esvaziada a casa, ela abraçou e beijou os pais, retirando da mala alguns presentes caros que lhes trouxera, o que, certamente, deixou a ambos extasiados. Depois, veio o banho anunciado aos vizinhos e, finalmente, um jantar preparado especialmente para ela. Nada como uma comidinha da mamãe, depois de tanto tempo!
            E foi na conversa amena, durante o jantar, que o pai lhe perguntou:
            — Mas, afinal de contas, menina, no que é que você trabalha mesmo, lá pela capital?
            E a filha, de um jeito tranquilo, como se aquilo fosse a coisa mais natural:
            — Ah, pai... Eu sou prostituta.
            Foi como se ligassem o velho numa corrente de 220 volts. De um pulo ele se pôs de pé e, encolerizado, começou a passar uma descompostura na meretriz:
            — O que?! Então é para isso que se cria uma filha com tanto sacrifício e amor?! Foi para isso que nós mandamos você estudar na cidade grande?! Olha, por mim, você pode desaparecer daqui e...
            Nessa hora, a filha interrompeu o discurso paterno, dizendo que esse era um trabalho como outro qualquer. E que lhe rendia muito mais do que se estivesse mofando num escritório. E, em socorro do seu argumento, completou dizendo:
            — Se o senhor não me aceita como sou, posso ir embora amanhã mesmo. Mas, só para lhe mostrar como é uma atividade que vale a pena, eu lhe havia trazido aqui um presente especial: trinta mil reais que separei para lhe entregar.
            O pai ficou calado por um instante. E, em seguida, tornou a perguntar à biscate, num tom bem mais ameno:
            — Escute aqui, minha filha... O que você disse que era mesmo?
            — Prostituta, pai. E disse que sou prostituta.
            — Ah, bom! Eu havia entendido você dizer que era "professora substituta"! Porque isso eu não iria admitir de jeito algum! Era só o que faltava, educar uma filha para ela acabar ganhando uma miséria de salário, no final de cada mês!
            Sei não... Mas, para mim, o pai dessa quenga de luxo era meio surdo. Ou, então, era um tipo muito pragmático.

Um comentário

Anônimo disse...
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