Crônica da semana/ ERA SÓ O QUE FALTAVA

Wagner Fontenelle Pessôa 
Tem gente que faz a coisa certa, porque isto é o que impõe a sua consciência. Tem gente que só faz a coisa certa pelo temor de enfrentar as consequências, por não agir na conformidade da lei, da moral e dos bons costumes. E tem gente que não se preocupa em fazer a coisa certa, nem mesmo diante das normas jurídica ou dos ditames da ética, aos quais deveriam sujeitar-se todos os que vivem em sociedade.
            Não vamos falar dos políticos, dos gestores públicos ou de empresários que não se pejam de fazer a coisa errada, porque não prezam esse negócio de conduta moralmente aceitável e nem se preocupam com o valor da honra e da boa fama. Até porque esses parecem ser casos perdidos, quando tratamos dos valores morais. Vamos raciocinar, quanto a isto, em relação às pessoas comuns, aqueles que conhecemos, com quem convivemos ou nos defrontamos no cotidiano.
            Pois é justamente em relação a estes que tais desvios éticos parecem ser mais espantosos. Porque, se aquele que está lá no topo pouco se lixa para o que acontece ao próximo, embora esta postura seja abominável, a sua indiferença pelos princípios mais elementares da decência e probidade pode ser o resultado de uma equivocada convicção, de que o poder e o dinheiro permitem tudo. Mais difícil é entender que uma pessoa comum — e, aqui, não estamos nos referindo a bandidos e criminosos em sentido formal —  convivam com o sentimento e a prática do "gosto de levar vantagem em tudo". Em tudo e a qualquer preço.
            Os exemplos disto estão no dia-a-dia de todos nós e se manifestam sob formas simples, como jogar
o lixo fora do lugar permitido e adequado, no péssimo hábito brasileiro de "furar" as filas, de causar um prejuízo a alguém e, sendo possível, desaparecer rapidamente do local, para não arcar com as consequências do que fez.
            Existem, é claro e felizmente, aquelas pessoas que não agem assim. As que caminham por algum tempo segurando uma embalagem de bala ou picolé, até encontrar uma lixeira para descartá-la; as que respeitam a sinalização e as regras do trânsito; as que são incapazes de, espertamente, enfiar o carro numa vaga que acabou de se abrir num estacionamento, embora percebendo que outro motorista esperava que aquela vaga se abrisse, para, então, ocupá-la.
            E por falar em estacionamento, também existem motoristas que ao arranharem ou amassarem a lataria de algum carro, numa vaga de rua ou em espaço fechado, têm sempre o cuidado de procurar pelo proprietário do carro que arranharam ou amassaram, para combinar o ressarcimento do prejuízo.
            Este pareceu ser o propósito daquele motorista que, realizando uma manobra desastrada numa via pública, acabou entrando na lateral de outro veículo, que ali se encontrava estacionado. O impacto chamou a atenção de algumas pessoas que por ali passavam e que — como brasileiro parece sempre não ter nada mais a fazer, quando se trata de assistir à desgraça alheia — logo se aproximaram, para ver no que ia dar aquilo.
            O motorista causador da colisão desceu do seu carro, coçando a cabeça, sem saber se o proprietário do veículo amarrotado pelo seu para-choque traseiro, também se encontrava no meio daquele bolinho de gente. Como ninguém se manifestou e diante do indício de que o dono do outro carro não estava no local, ele apanhou um bloco de anotações em sua pasta e sobre o teto do carro que amassara, começou a escrever, observado, a certa distância, pelos abelhudos da ocasião.
            Deixou um bilhete para o outro, sem assinatura e sem nenhuma referência pessoal, dizendo, apenas o seguinte:
            "Enquanto eu lhe escrevo este bilhete, há várias pessoas me observando à distância e, certamente, acreditando que eu lhe estou deixando o meu nome e telefone, para que entre em contato comigo e possamos acertar o prejuízo que lhe causei, assumindo as despesas com os reparos do seu carro. ERA SÓ O QUE FALTAVA!"

            Em seguida, dobrou o papel e por uma pequena fresta no vidro, empurrou o bilhete até que caísse no banco do veículo, cuja porta acabara de afundar. Tranquilo, porque, pela sua esperteza, percebeu que ninguém se preocupou em anotar a sua placa. Entrou no carro e se mandou, enquanto os curiosos, seguros de que tudo terminaria bem, perderam o interesse pela causa e prosseguiram o seu caminho. 

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