Crônica da semana:LIVROS DO PAPAI
Wagner Fontenelle Pessôa
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Não deve ser fácil carregar o
sobrenome e ser descendente de pessoas célebres. Ainda mais que, na maioria dos
casos, os filhos dos famosos acabam tendo de conviver com a expectativa —
geralmente frustrada — de que possam revelar o mesmo brilho e alcançar a mesma
glória do laureado ascendente. Ou, pelo menos, próximo a isto. O que, aliás,
quase nunca acontece.
São
raros os casos como o do escritor Érico Veríssimo, cujo filho — o igualmente
famoso Luis Fernando Veríssimo — jamais dependeu do sobrenome para ser
reconhecido como um dos mais destacados autores brasileiros da atualidade. E a
obra de um não fica nada a dever à obra do outro, em que pesem as diferenças de
estilo e temática que existe entre eles, porque são igualmente brilhantes.
E
no rol das exceções à regra geral, também não se pode deixar de fora o caso de
Gonzagão e Gonzaguinha, Jonas e Débora
Bloch ou da Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, além de alguns outros. Mas
não são tantos assim. Muitos, na realidade, são os casos em que filhos tentaram
seguir a carreira do pai, da mãe ou de ambos, mas nunca passaram de medianos,
quando não medíocres, longe, muito longe daqueles de quem pretendiam herdar o
lugar no panteão das estrelas de primeira grandeza.
O
exemplo mais completo disso foi o filho de Pelé, Edinho, que jamais foi além de
ser um goleiro medíocre no Santos Futebol
Clube. Embora tenha sido mantido como titular do escrete, segundo dizem, por
pressão e influência do papai famoso e reverenciado. Outro, é o filho do grande piloto Nelson Piquet, que
nunca passou da condição de mediocridade, nas pistas em que o seu pai pode ser
lembrado entre os melhores do mundo. E o do Bruno Senna, que ainda tenta, sem
sucesso, destacar-se na Fórmula 1, mas nem chega aos pés do tio famoso.
Porém,
esses não são casos esporádicos. Frente às câmeras da tevê, assim como nos
palcos, nos gramados e nas pistas, já desfilaram filhos e filhas dos famosos,
que nunca obtiveram nada mais do que um desempenho sofrível ou apenas regular.
E não será preciso puxar muito pela memória para lembrar-nos de uma penca
deles. Mas esta não é, ainda, a pior situação.
Pior
é quando o descendente pretende usufruir das glórias de um pai ou mãe, sem haver,
sequer, caminhado pelo mesmo caminho que eles. Por exemplo, o tipo nunca
escreveu um livro e quer chamar a atenção sobre si, pela obra daquele que o pôs
no mundo. Como fez o filho de um famoso escritor brasileiro, em visita à terra
onde sua família tinha raízes: Pirapemas, no interior do Maranhão.
Viriato
Correia — de batismo, Manuel Viriato Correia Baima do Lago Filho —havia nascido
naquela pequena cidade maranhense, no ano de 1884. Mas, depois, transferiu-se
para a capital, São Luiz, e aí se elegeu deputado estadual em 1911. Eleito
deputado federal pelo seu Estado, em 1927 e 1930, acabou vindo morar no Rio de
Janeiro, onde viveu grande parte de sua vida e faleceu em 1967. Além de
político, fez carreira como jornalista, escritor e dramaturgo.
De
sua obra, constam crônicas, contos, um romance ("Balaiada"), vários
livros de literatura infantil e muitos textos para o teatro. Foi membro da
Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira nº 32, para a qual foi
eleito em 1938. Não perdeu o elo com suas raízes nordestinas, que é nítido em sua
literatura, mas é provável que sua descendência haja se distanciado da terra
natal do grande escritor. O que, aliás, é comum e compreensível, entre os
filhos daqueles que migram para terras mais distantes.
Mesmo
assim, um dos seus filhos resolveu, certa vez, visitar o lugar de origem da
família e programou a viagem de alguns dias ao Maranhão. Um Maranhão diferente
daquele que o seu pai deixara um dia, talvez menos provinciano e — por ser o
estado campeão nos índices de analfabetismo no Brasil — um pouco esquecido do escritor
ilustre e de sua obra. Visitou Pirapemas, onde não pareceu mais do que um
estranho, retornando a São Luiz, para consumir o que restava do seu tempo de
viagem.
Mencionou
o nome do pai em algumas oportunidades, mas ninguém pareceu dar grande
importância a isto ou lembrar-se dele. Até que resolveu apelar para um recurso
extremo, com o propósito de chamar a atenção sobre si, como filho do maranhense
que havia se destacado na, então, capital federal. Entrou numa livraria, correu
os olhos pelas prateleiras onde estavam os livros e depois, com um ar de displicência,
perguntou ao balconista:
—
O senhor tem livros do papai?
Sem lhe dar a menor bola ou demonstrar
qualquer interesse na figura, o atendente, com aquele jeito próprio, que a gente
do Maranhão tem de falar, devolveu a pergunta:
—
Prá começo de conversa, pequeno, quem é o teu pai?
E,
quando ele respondeu, a resposta não pareceu despertar no balconista alguma
espécie de admiração ou sinal de reconhecimento. Uma completa decepção para quem
esperava, talvez, sair daquela loja acolhido e recepcionado pelos intelectuais
da cidade, pelo simples fato de ser filho de quem era.
A
propósito, na livraria não havia nenhuma das obras de Viriato Correia.
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