Crônica da semana: POR BEM RUIM QUE ESTEJA

Wagner Fontenelle Pessôa                    
Certa vez uma jovem repórter perguntou ao célebre advogado Sobral Pinto, um dos mais respeitáveis que esta terra já produziu, o que ele estava achando da situação geral do país. Olhando bem sério para a inexperiente profissional que o entrevistava, o Dr. Sobral fez que não estava entendendo e pediu um esclarecimento:
            — Mas, a qual país você está se referindo?
            E dela recebeu o esclarecimento que a qualquer um pareceria desnecessário:
            — Ao Brasil, doutor Sobral!
            Foi quando, com um tom de certa irritação, o velho jurista retrucou:
            — Minha filha, isto aqui não é um país! Ainda não passamos da categoria de "terra habitada"...
            Às vezes, eu me vejo obrigado a concordar com ele. Pois, no que se refere à lei, à ordem e à democracia, é bem assim que se encontra esta "terra brasilis". Quando pensamos que todos os absurdos possíveis já aconteceram por aqui, aparece algo novo, a desafiar a nossa possibilidade de compreensão e a testar os limites da nossa capacidade de indignação.
            Temos um governo, pouco ou nada convincente, que promete reequilibrar a nossa economia e, em nome disto, arrocha o laço no pescoço do povo, enquanto políticos e governantes continuam a ter mordomias e benesses patrocinadas pelos recursos do contribuinte. Os ministros e outras autoridades insistem em utilizar jatinhos da Aeronáutica, em viagens caríssimas para fins particulares.
            Os famigerados "cartões corporativos" — aqueles cartões de crédito cujas faturas são pagas pelo Tesouro Nacional — ainda estão sendo utilizados à larga, sem que ninguém abra mão de usar e abusar dessas vantagens moralmente indefensáveis. Redução de verbas injustificadas, que engordam os salários de deputados, senadores, magistrados, ministros e do próprio presidente da República, nem pensar!
            A aposentadoria marcha para aquele ponto em que os trabalhadores só terão direito a ela quando já estiverem caquéticos e o pouco dinheiro que receberem será consumido pelo custo dos remédios. Enquanto isso, parlamentares se aposentam após oito anos de mandato e o chefe do Poder Executivo carrega consigo o salário do cargo, quando dele se afasta, mesmo que já seja beneficiário de outra aposentadoria, como é o caso do Lula e do Temer.
                
            Este país parece um circo, onde há ilusionistas, fazendo desaparecer as carteiras e demais pertences dos espectadores  (que somos nós, pessoas comuns da população), ao qual não faltam palhaços, espalhados pelos três grandes picadeiros — montados na Praça dos Três Poderes — no coração da capital federal. E que apresentam um espetáculo deplorável, de péssimo gosto, para um público que, às vezes, parece não saber mais o que é certo e o que é errado. As pessoas se enfrentam na base da pirâmide social, enquanto lá no topo, todos se entendem muito bem, quando se trata de alguma decisão vantajosa para si próprios
Certo, mesmo, é aquilo que alguns dizem e outros acham que é puro pessimismo: quando se pensa que a situação não pode mais piorar, de repente, descobrimos que ainda pode! Como naquela história em que o sujeito, tomado por uma fulminante
paixão edipiana, expulsou o pai de casa, para amasiar-se com a própria mãe. E, depois, tomado de um profundo arrependimento, em lugar de fazer como o Édipo da tragédia grega — que furou seus olhos para não assistir ao incesto, que continuou a cometer com Jocasta — foi procurar um padre, para confessar o seu terrível pecado.
            O religioso, um homem acostumado a conviver com as mazelas da natureza humana, admoestou o filho arrependido com a firmeza que a situação requeria, embora sem mostrar-se excessivamente surpreendido pelo inusitado da situação. Demonstrando até uma certa comiseração pela fraqueza moral do confidente, aplicou-se uma penitência que considerou apropriada para o caso. E depois, tentou fazer com que o penitente se sentisse menos mal, para buscar a reparação do pecado que cometera:
            — Realmente, meu filho, o que você fez é gravíssimo! Mas, acredite, poderia ter sido pior...
            Supondo que o confessor estivesse, apenas, testando o seu real arrependimento, o filho incestuoso indignou-se:
            — Espere aí, seu padre! O que é que poderia ser pior do que eu expulsar o meu pai de casa e me amancebar com a minha mãe?!
            Ao que o cura lhe respondeu, sem hesitar:
            — Já pensou, meu filho, se você houvesse expulsado sua mãe de casa e se amancebado com o seu pai?!

            Não resta dúvida de que, em tais condições, teria sido bem pior. O que, em síntese, demonstra aquela máxima de que, por bem ruim que esteja, não tenhamos a ilusão de que não possa piorar ainda mais. 

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