Crônica da semana/ DE ONDE MENOS SE ESPERA
Wagner Fontenelle Pessôa
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Neste último sábado fui ao centro da
cidade, onde precisava resolver duas ou três coisas, naquela correria do meio expediente
com que sempre começam os finais de semana. E no meio da minha caminhada pelo
calçadão, lembrei que precisava de algo da farmácia e entrei numa delas. Mas,
sem saber se encontraria o que procurava, eu me aproximei de um balcão e,
apenas para não perder muito tempo, perguntei à moça que atendia uma velhinha
se eu encontraria ali o que procurava.
Só
precisava de um sim ou não, para prosseguir o meu caminho ou esperar pela minha
vez. Mas a atendente me surpreendeu, interrompendo o atendimento que fazia e
indo buscar o que eu estava procurando, para a perceptível irritação da senhora
baixinha e de cabelos brancos, que me olhou com uma cara de poucos amigos.
Recebi
o que queria, agradeci e fui para a fila de um caixa. O mesmo, aliás, ao qual,
daí a pouco, chegou a tal idosa, que se posicionou logo depois de mim. Entendi
que seria adequado e lhe pedi que passasse à minha frente, já que eu havia sido
atendido antes dela, embora de forma involuntária. Meio relutante, aceitou o
oferecimento e, então, com um jeito bem mais simpático, passou a conversar
comigo.
Mas
a fila não avançava, porque a moça do caixa se ocupara com um casal cujo
atendimento parecia interminável. Comentei com a tal senhora que eles deveriam
estar comprando a própria farmácia, porque, a cada produto, precisavam assinar formulários,
passar recibo e dar quitação. Ela então me explicou que se tratava de compras
da farmácia popular, que precisavam ser documentadas. O que, a bem da verdade,
eu também já havia percebido.
Foi
quando eu resolvi fazer uma brincadeira, inteiramente desprovida de qualquer
preconceito, apenas para matar o tempo de espera, até que chegasse a minha vez
de pagar:
—
A farmácia é “popular” para quem compra, mas é altamente “impopular” para quem
está esperando na fila, não é mesmo?
E,
embora eu haja dito isso com um sorriso no rosto, a velhinha me olhou com um
olhar severo e sentenciou:
—
O senhor deve ser da direita, né? Porque eu sou da esquerda!
Não
sei de onde a coroa tirou essa ideia estapafúrdia de que eu seria da direita.
Exceto se foi pelo meu bom humor, já que a turma da esquerda, com as exceções
de sempre, é sabidamente mal humorada. Mesmo assim, dei uma olhada na figurinha
e fiquei imaginando se ela não seria uma velha militante do PCB, ainda atrelada
a essa dicotomia de “direita” e “esquerda”, que muitos cientistas políticos já
consideram superada no mundo contemporâneo, pós-queda do muro de Berlim.
E
para aquilatar o propósito daquilo, eu me fiz de mais obtuso do que,
naturalmente, já sou e lhe disse, em forma de pergunta:
—
Taí... Eu nunca compreendi bem esse negócio de “direita” e “esquerda”! Como é
que é isso mesmo?
A
autoproclamada “esquerdista” me olhou como se eu fosse um completo analfabeto
nas questões de caráter doutrinário e me esclareceu, em tom professoral:
—
Esquerda é quem vota com o Lula e a Dilma. E direita é quem vota com o Aécio e
o Serra!
Fiz
uma expressão de quem havia finalmente entendido aquela intrincada questão, sem
lhe dizer que essa divisão havia surgido na França, não no Brasil, muito antes
do nascimento desses quatro que ela havia citado. Mas tentei esclarecer que eu
não era da direita, nem da esquerda; apenas um cidadão consciente, que defende
a democracia plena, a ética na política e a probidade dos gestores públicos. E,
para dar mais ênfase à explicação sobre o que defendo, comecei a dizer:
—
Para mim, o lado não importa. O que espero é que todos os assaltantes do nosso
país terminem presos e condenados, não importando a que partido pertençam:
Aécio, Temer, Dilma, Lula...
Foi
quando ela me interrompeu, visivelmente irritada com minhas palavras, dizendo:
—
Dilma e Lula?! Como assim? Sem nenhuma prova contra eles?!
Em
seguida ficou de costas e fingiu que não estava mais me vendo. Também não
insisti em continuar o assunto, porque me dei conta de que ela não era uma
velha militante do “partidão”, possuidora de leituras mal digeridas de Marx e
Engels. Era uma só uma nova militante do “lulopetismo”, cujo embasamento
teórico não vai além de um boné do MST, uma camiseta da CUT e a convicção
inarredável de que o PT é o partido mais ético do mundo. Não importando o que
os seus governantes e políticos façam ou possam ter feito.
É
por estas e outras que o Barão de Itararé já dizia: “De onde menos se espera,
dali mesmo é que não sai nada”!
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