Crônica da Semana - HOMEM QUE DÁ CERTO VALOR

As mulheres vivem reclamando dos homens, que costumam ser mais contidos quando reclamam delas! Mas elas reclamam de tudo: da infidelidade masculina, da falta de refinamento dos homens e namorados, do machismo, de maneira geral. E, como não poderia deixar de ser, da violência doméstica, com justificados motivos. Pois, de tanto reclamarem, acabaram incutindo no imaginário dos legisladores, da polícia e da justiça que em todos os casos — em qualquer caso, nesse tipo de situação — são elas as vítimas, enquanto seus pais, maridos, namorados e companheiros, são os algozes. Mas não é sempre assim que a banda toca.
            Não estou dizendo que não ocorram essas coisas abomináveis ou que, na maior parte das vezes, a resposta das instituições que deveriam reprimir tais condutas ou penalizá-las, não seja lenta e ineficiente. Claro que sim! É por isto que tantas mulheres têm sido assassinadas — é o tal do feminicídio, estampado no noticiário com assustadora frequência —, agredidas e sofrido lesões corporais graves, num ambiente em que, pelo menos teoricamente, deveriam estar protegidas: o seu próprio lar.
            Não faz tanto tempo, pouco mais que uma década, foi aprovada com grande estardalhaço, a lei que é considerada um marco na luta contra esse tipo de crime. O projeto levou muitos anos tramitando pelo Congresso, porque os parlamentares brasileiros, por maioria, são movidos por interesses próprios e partidários, sem qualquer sensibilidade para os temas de interesse social, que deveriam ser priorizados. E, mesmo depois de aprovada, a Lei Maria da Penha demonstrou ser ainda um tímido avanço contra tais ocorrências de violência doméstica.
            Feita, no entanto, essa necessária ressalva, gostaria de assinalar o fato de que, nem só de mulheres e crianças é composto o rol das vítimas dessa natureza de violência. Porque, embora com menor incidência, há muitos homens que também estão apanhando — no recôndito do lar, como diriam os mais pedantes — de suas mulheres, companheiras e namoradas. Mas a isto ninguém dá muita importância, porque, presumida a superioridade física masculina, o assunto mais se enquadra no campo do ridículo do que nas preocupações de natureza criminológica.
            Sendo assim, muitas vítimas dos acessos de fúria feminina, também preferem ocultar as agressões que sofrem. Porque homem que apanha de mulher costuma ser visto como fraco ou covarde. E o próprio machismo, característico da sociedade brasileira (e olha aí o “machismo” operando em favor das mulheres agressoras!) faz com que esses homens não se mobilizem em favor de uma, talvez, necessária “Lei Zé da Penha”. Por consequência, o assunto acaba creditado na conta do folclore ou do anedotário nacional.
            Principalmente nos dias atuais, há alguns desses episódios que, por envolverem pessoas célebres, acabaram se tornando públicos e sendo divulgados pelas redes sociais. Outros há, no entanto, que ficam restritos ao círculo familiar e de amigos ou servem de “prato”, apenas, para a vizinhança mais próxima. E, de pronto, eu me lembro de dois casos, ambos durante o tempo em que trabalhei na cidade de Natal (RN).
            Num deles, o “apanhador” era um colega de trabalho. O casal ainda jovem, aí na faixa dos trinta e poucos, tinha como única herdeira, até então, uma fêmea de cão pastor, a quem tratavam com mimos de filha e chamavam de Zazá! A mulher desse colega era belíssima, tipo físico ao qual, nos rótulos masculinos de agora, chamariam de uma verdadeira “potranca”. Não era tão bonita de rosto, mas o corpo era uma verdadeira escultura. Só que dotada de um temperamento terrível! E, pelo que soube, quando se desentendiam, a dadivosa ia para as “vias de fato” com o marido, aplicando uns tapas no “escutador de novelas” dele e demonstrando que as unhas compridas (e sempre bem feitas) como usava, não eram só um detalhe a mais do seu visual.
            Numa dessas vezes, quando eu ainda não tinha conhecimento dos pormenores do casal, encontrei-me com ele, o rosto todo marcado de unhas e perguntei, imaginando que sofrera algum acidente, o que havia acontecido. Algo irritado, talvez pensando que eu já soubesse das coisas, ele me respondeu secamente:
            — Fui brincar com a Zazá e ela me arranhou!
            Mas quem me explicou a real situação foi outro colega que estava comigo na ocasião, prevenindo que eu cometesse outra gafe ridícula daquelas. E, diante do meu espanto, aproveitou o embalo para me dizer que um vizinho dele (isto é, do fofoqueiro) vivia uma situação idêntica. Ou talvez pior, porque de ocorrência muito mais frequente. Moravam num conjunto residencial, onde as casas eram separadas por um muro de altura média e, daqui prá lá, a mulher do vizinho aplicava-lhe um corretivo vigoroso.
            Devia ser com um cinto ou coisa semelhante, porque se ouviam os estalados na carcaça do pobre homem. Só que, neste caso, o marido arranjou uma forma esperta de passar, a quem ouvisse a tunda, a impressão de que era ele quem estava batendo, não apanhando. Enquanto a mulher enfiava o cipó no desgraçado, em lugar de gemer, ele dizia bem alto, para que os vizinhos pudessem ouvir também:
            — Toma! Aguenta essa, que é prá você aprender a me respeitar!
            Sabendo da real situação, a vizinhança se escangalhava de rir, à custa do pretenso marido bravo... E ninguém entendia por que cargas d’água ele aguentava apanhar daquele jeito e continuava a viver com ela.
            Se for para ser bem sincero, mas sem precisar escarafunchar os labirintos da natureza humana, o que me parece é que, assim como tem mulher que não aprecia, também tem homem que dá certo valor a esse negócio de apanhar. Vá entender a cabeça das pessoas!

Wagner Fontenelle Pessôa

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