Crônica da semana - POR CULPA DE ALGUM SUBALTERNO


            Transformou-se em notícia e motivo de escárnio nas redes sociais um fato simples, que teria passado despercebido, se a figura central do caso não fosse a Marcela, aquela menina que o Temer “pegou para criar”. Ou, dizendo de outra forma, aquela moça que, apesar de graduada em jornalismo, consegue ser tão inexpressiva e inútil na posição que atualmente ocupa quanto a Marisa Letícia, que foi motivo de ironia e causa de pilhéria, por seu nenhum desempenho no papel de 1ª dama.
            Muitos estadistas alcançam melhores índices de aceitação e popularidade graças à postura, elegância ou desempenho que — de forma mais ou menos explícita — suas mulheres conseguem demonstrar aos súditos do Estado. E há alguns casos célebres no que a isto diz respeito: Jaqueline Kennedy, Carla Bruni, Michelle Obama e até a jovem e bonita Maria Tereza Goulart, que era casada com o Jango.  
            De lá para cá, só tivemos mocorongas, gente feia e sem estilo, ocupando esse posto. Mas, desde que a Dilma se foi, apesar de meio recolhida ao ambiente da residência presidencial e quase escondida pelo marido, a Marcela Temer resgatou o nosso orgulho ferido. Apesar do estilo mais reservado, brindava os brasileiros com a sua beleza e elegância discreta. Até que, recentemente, fez algo decepcionante.
            No último dia 22 de abril, ela passeava pela margem do Lago Paranoá, acompanhada por uma servidora, ao lado do filho e do cachorro da família, quando o “dog” foi atacado por uns patos. E, ao fugir das aves, acabou caindo do lago. Sem pensar duas vezes, ela atirou-se no Paranoá em socorro do animal. Teria sido uma atitude nobre se, na sequência, não houvessem afastado ou remanejado a tal servidora de suas funções, por não haver se lançado nas águas do lago também, para proteger a rainha do Palácio do Jaburu.
            Pondo de parte algum eventual exagero na reprimenda, o episódio apenas confirma aquela máxima de que “a corda sempre quebra do lado mais fraco”. Em vez de punirem o adestrador do cãozinho — que tem medo de pato e, quiçá, de peru — puniram quem não ousou tomar um banho junto com a mulher do presidente, enquanto uma multidão de brasileiros adoraria fazer isto, sem qualquer remuneração.
            Mas, efetivamente, é isso que a realidade nos apronta e nos confirma todos os dias. E, mais ainda, nos ambientes em que a hierarquia é a “pedra de toque” para o funcionamento das instituições. Como tive a oportunidade de constatar durante um período em que, por conta de um convênio entre o MEC e o Ministério da Marinha, fui designado para fazer um curso de técnicas de ensino num dos melhores centros de estudos que já frequentei: o Centro de Instrução Almirante Wandenkolk, situado na Ilha das Enxadas, na Baía da Guanabara.
            O curso, que durou bem uns quarenta dias, era feito em regime de tempo integral, o que nos levava a permanecer das 8 às 18 horas nas instalações do CIAW. E a nossa turma reunia civis e oficiais de marinha, o que me permitiu compreender uma série de fatos e circunstâncias sobre como é a vida na caserna e qual é a sua lógica.             Às sete horas da manhã tínhamos de estar prontos para tomar as lanchas, que fazem o percurso entre o continente e a Ilha das Enxadas. Quem perdesse esse horário, perderia o início das aulas, o que não era muito bom para o conceito dos participantes civis e péssimo para a ficha dos militares.
            Mas a primeira coisa que notei foi que os menos graduados (que eles chamam “mais modernos”, independentemente do tempo de caserna) embarcavam primeiro e desciam as escadas indo para a parte de baixo da embarcação. Depois embarcavam os oficiais de média patente (de tenente a capitão de fragata), que viajavam no convés da lancha. Nós, professores civis, éramos incluídos nesse grupo. E por último, entravam os oficiais superiores (de capitão de mar e guerra a contra-almirante), que viajavam na cabine do piloto. Já o desembarque era feito em sentido contrário: dos mais “antigos” para os mais “modernos”.
            Um dia perguntei sobre a razão lógica para isso. E um capitão-tenente que era meu camarada, esclareceu, sem nenhuma cerimônia, que se houvesse um naufrágio, os mais graduados teriam prioridade para salvar-se em relação aos subalternos. Outro detalhe interessante é que, para que a lancha iniciasse o seu trajeto, o piloto dependia do comando, que era dado pelo oficial mais graduado que estivesse na cabine, em linguagem formal: “Está quem manda... Larga!”
            Era a ordem para que a embarcação largasse do cais, mas me ocorreu indagar ao capitão de corveta que estava ao meu lado e me falou sobre essa rotina:
            — E se um capitão de mar e guerra, sendo o “mais antigo” na cabine, der essa ordem sem perceber que há um contra-almirante tentando embarcar? Se o superior, metido naquele impecável uniforme branco, estabacar-se nessa Baía da Guanabara imunda, o que é que acontece com quem mandou largar?
            Ele me olhou como se aquilo fosse meio óbvio e, esboçando um sorriso, esclareceu que há uma espécie de dogma entre eles:
            — Um oficial nunca erra. Dificilmente se engana. E quando isto acontece é por culpa de algum subalterno relapso. Provavelmente, o oficial diria que ordenou ao piloto para largar o timão e não largar do cais.
            Ah, bom! Vendo por esse ângulo, acho que o timoneiro é quem deveria se lascar mesmo, para deixar de ser relapso e prestar mais atenção ao serviço. Porque eu já estou é com raiva desse incompetente!


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