Crônica da Semana - PÉ DE GALINHA NÃO MATA PINTO
Uma das minhas habilidades de criança
era andar sobre um telhado. Melhor dizendo, eu não andava, mas corria por cima
da cumeeira, como um completo irresponsável sob o risco de despencar cá
embaixo, o que sempre fazia com que alguém me “dedurasse”, interrompendo-a
naquele cochilo que ela gostava de dar, logo após o almoço. Lembro, aliás, que
este era o melhor horário para fazermos, meu irmão e eu, tudo o que, de errado,
pudéssemos inventar. Um tema que daria mais duas páginas de conversa.
Pois do telhado eu desci,
algumas vezes, sob a intimação dela e, já no chão, fui recepcionado por um
daqueles puxões de orelha "assassinos", em que o menino torce a
cabeça, para se acomodar àquela posição de contorcionista circense, na qual só
uma mãe irritada é capaz de deixar a concha auditiva de um filho arteiro.
Principalmente porque, lá em casa, não tinha essa história de correr, como
faziam alguns dos nossos conhecidos de infância. Senão, como anteriormente
fôramos prevenidos, “o castigo seria dobrado”.
Na
verdade, nem mesmo atinávamos com o que isto pudesse significar, porque a nossa
mãe era uma mulher muito amorosa com os filhos e não me lembro, jamais, de
haver recebido esse tal “castigo em dobro”. Talvez ela pensasse nuns dois
puxões de orelha daqueles, uma ideia que, mesmo assim, não me atraía nem um
pouco!
Naqueles tempos, não havia Conselhos
Tutelares e nem Estatuto da Criança e do Adolescente, embora já fizéssemos uso
da palavra “ECA”, mas apenas como interjeição, denotativa de nojo. Não havia
juizados especializados em problemas que envolvessem menores e os juízes, de
forma geral, não interferiam na maneira como os pais criavam seus filhos e os
preparavam para a vida. Todo menino levava umas palmadas de vez em quando e
cumpria uns castigos eventuais, pelos seus comportamentos passíveis de
correção. Porém, exceto nos casos excepcionais, que sempre existirão para
confirmar a regra, ninguém se transformava num adulto traumatizado por isto.
Era normal e fazia parte da educação familiar.
Hoje em dia é que a coisa está bem
diferente. Os pais não podem mais aplicar certos tipos de sanção aos seus
filhos, porque o legislador entendeu que tudo, até uma palmada mais severa,
pode ser traduzido como maltrato físico. Os professores não podem mais
penalizar os seus alunos, como autorizava a boa pedagogia de outrora — ainda
que diante de situações inconcebíveis, como ser ameaçado ou intimidado por um
adolescente — porque os fazedores de leis interpretam isto como dano moral e
outras coisas do gênero. Patrão, até para dispensar um empregado que o está
furtando, tem que pedir vênia... Porque a Justiça do Trabalho parece sempre
disposta a conceder uma reparação de danos ao reclamante, como se os
reclamantes sempre fossem as vítimas das relações trabalhistas.
Como se pode perceber isto é um
processo, que se desdobra em diversas etapas. A família está limitada na sua
função de condicionar os seus filhos para viverem dentro de normas
preestabelecidas pela sociedade, algo que se conhece como “socialização”. A
escola, do mesmo modo, precisou abdicar de seu papel de ensinar para a vida,
passando a tratar, quase que exclusivamente, da educação para o trabalho. E
assim, quando o indivíduo ingressa no mercado de trabalho, está plenamente
convencido de que, como profissional e como cidadão, ele tem muitos direitos e
menos deveres.
É claro que existem maus patrões! Só
que, contra estes, também existem instrumentos na lei, que a Justiça do
Trabalho aplica com uma notável frequência. Contra os maus empregados, no
entanto, o máximo que se vê acontecendo é um juiz sentenciar pela improcedência
do pedido, após muito insistir pela realização de um acordo. E nunca que um
reclamante desonesto seja penalizado pelo uso indevido do sistema judiciário,
para obter aquilo a que nunca teve direito.
É uma sequência de equívocos, que
começa com a compreensão distorcida do que os pais podem ou não fazer no
processo de educação dos filhos, para que, mais adiante, estes sejam cidadãos
de bem e guardem consigo a distinção clara entre o bem e o mal, o certo e o
errado, o justo e o injusto, o admissível e o inadmissível, em sua conduta
social. E tudo isto porque os que fazem e os que aplicam as leis parecem não
perceber uma coisa elementar: a vida em sociedade só é possível se houver uma
conformação dos seus indivíduos às regras de conduta por ela estabelecidas.
Mas isto
tudo começa com a educação familiar, que nos dá a primeira compreensão de como
a coisa funciona e funcionará, num contexto maior. Assim, excluídos e punidos
os exageros e os excessos, que não se advogam e nem devem ser tolerados, seria
bom que todos entendessem esta ideia simples, demonstrada, na prática, pela
minha mãe... A de que “pé de galinha não mata pinto”.
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