Crônica da semana - VEM RINDO!



A bebida alcoólica, de todas as substâncias que causam dependência e fazem mal à saúde, talvez seja a mais traiçoeira. Não porque destrua mais rapidamente o seu consumidor habitual, o viciado em álcool, mas porque o seu consumo está cercado por uma série de complicadores.

            Em primeiro lugar, porque ela é socialmente aceita. Em segundo porque, exceto por algumas restrições — como, por exemplo, dirigir depois de ingeri-la em certa quantidade e da proibição de vendê-la a menores — a sua comercialização é livre e legal em nosso país e, de resto, no mundo ocidental. Em terceiro porque, em muitas culturas, o bêbado é menos motivo de censura e preocupação do que de caçoada e diversão para a plateia.
            Mas o vício do álcool cobra um alto preço, dos dependentes e de suas famílias. O que, porém, parece não preocupar muito (e nem pouco), aos que se divertem com os vexames que o ébrio apronta e com os “micos” que paga. Deste modo, o anedotário sobre bêbados só vai aumentando, enquanto cômicos e humoristas exploram este filão em seus “scripts” e textos. Não se pode negar, no entanto, que algumas pessoas, quando sob efeito do álcool, costumam fazer e dizer coisas engraçadas, porque a ingestão de bebidas alcoólicas provoca nelas uma evidente neutralização dos seus mecanismos de autocensura.
            Como advogado, já tive a oportunidade de defender um cliente num desses processos a que respondem os que são flagrados dirigindo sob o efeito de alguma bebida alcoólica. Tratava-se de um profissional sério, corretíssimo em seus negócios, generoso com os seus empregados, um ser humano da melhor qualidade. Mas era dependente do álcool e isto, de quando em vez, punha a sua vida a perder, além de haver desgraçado o seu casamento.
            Na ocasião deste fato conversei muito com ele e, pretextando precisar de provas que sensibilizassem o juiz no momento da sentença, pedi que procurasse um profissional na área da saúde, para iniciar um tratamento, porque eu precisaria da declaração de um médico que convencesse o magistrado de que ele, espontaneamente, estava tentando livrar-se do vício.
            Já nas proximidades das alegações finais no processo, eu telefonei para ele, num final de tarde, dizendo que, sem a documentação que eu lhe solicitara, a sua situação ficaria bem pior, sob a ótica do julgador. Com a voz já meio alterada, ele me disse que o motorista dele estava vindo ao meu escritório, para me trazer uma série de papéis. E, de fato, algum tempo depois, chegou o motorista com um envelope fechado para entregar-me.
            Abri a correspondência para ver que tipo de documento ele me conseguira, mas o que encontrei lá foi a xerocópia de um livro de piadas: “Anedotas de bêbados”! Um completo irresponsável, embora tendo sido um dos meus clientes mais corretos e queridos.
            Existem, ainda, situações muito mais complicadas, envolvendo os bêbados. Como aquela em que o “bebum”, em meio a um porre monumental, deu um soluço e engoliu, junto com a cerveja, nada menos do que uma “ponte móvel” que lhe completava a dentadura. Engoliu, mas a carraspana era tão grande que disto nem se deu conta! No dia seguinte, em meio à ressaca habitual, notou a falta da prótese dentária, mas entendeu que ela lhe escapara da boca, em algum ponto da bebedeira e que precisaria procurar um dentista.
            Só que, no correr do dia, depois de algumas refeições, aquilo entrou no bolo alimentar e foi — como é natural — procurando o caminho da saída. Mas tudo teria se resolvido com um final feliz, se aquelas “garrinhas” da ponte móvel não houvessem enganchado nas laterais do caminho, já quase na porta de serviço. Então, ficaram aqueles dois dentes lá na “comissão de frente”, barrando a passagem, enquanto a “velha guarda”, que sempre vem depois, tentava, sem sucesso, concluir o desfile.
            Já desesperando com as fisgadas que sentia, foi procurar um proctologista, por sugestão da mulher. O facultativo mandou que o pinguço se colocasse em posição para o exame e, cutuca daqui, mexe dali, ilumina com aquela lanterninha de lá, o paciente, entre um gemido e outro, pergunta ao profissional:
            — Então, doutor, o que é que tem aí?
            Ao que o médico, intrigado e com a lanterna quase enfiada no pinguço para tentar entender a origem do problema, respondeu:
            — Meu amigo... O que é eu não sei. Mas o que vem, vem rindo!
            Justificável a dificuldade em concluir o diagnóstico. Porque, com efeito, não deve ser muito comum encontrar dois dentes num lugar daqueles...

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