Crônica da semana - MINHA MÃE, NOSSA SENHORA E CARMEM MIRANDA!


O Valdevino era solteiro; praticamente, um solteirão. Na medida em que o tempo passara, todos os irmãos se casaram, tiveram filhos e ele foi ficando prá titio. Não é que ele não gostasse de mulher; pelo contrário, gostava até demais! Sendo por isto mesmo que não se arriscava a ficar com uma só. Porque as três coisas que ele mais apreciava na vida eram roda de samba, cachaça de boa qualidade e uma bela mulher! Principalmente a dos outros!

            Semanalmente frequentava o salão de um barbeiro nas proximidades de sua casa, onde lhe faziam a barba e o bigode, além de dar um retoque no cabelo, que gostava de ter sempre bem aparado no contorno das orelhas e no pé. Por muitos anos seguiu essa mesma rotina com o velho barbeiro, que depois de quatro décadas exercendo o seu ofício, resolveu aposentar-se da profissão e transferiu o espaço para um barbeiro mais novo.
            Seu sucessor no salão, que não era daquela área, pouco ou nada sabia sobre os frequentadores do lugar. No entanto, o que lhe faltava em conhecimento sobre a nova clientela, sobrava-lhe em termos de cara metade. Era casado com uma dessas de fechar o comércio em dias úteis ou de abri-lo, nos dias santificados e feriados nacionais. Porque a nova primeira dama da barbearia, como se dizia no linguajar daqueles tempos, era “um pedaço de mau caminho”!
            Pois o maior problema do novo barbeiro era justamente esse: a sua patroa tinha o insuportável hábito de “prestar serviços de natureza eventual, sem vínculo empregatício” aos que a abordassem do jeito apropriado. E, como se ainda fosse pouco, sentia uma irresistível atração pelos que possuíam modos de cafajeste, algo que o marido sabia, embora preferisse fazer o papel do corno enganado ao do corno convencido. Até que a situação se tornasse insuportável e ele se visse obrigado a tomar uma providência enérgica, para não ficar desmoralizado por inteiro.
            Isso já custara ao casal algumas brigas sérias, com direito a tapas e arranhões, além de periódicas mudanças de casa e bairro, quando o pobre homem chegava ao limite de tornar-se alvo da chacota de vizinhos e dos próprios fregueses. Enquanto dava para assustar e afugentar os colaboradores que a mulher lhe arranjava, ele ia ficando. Quando isso já não resolvia mais o problema, ele levantava voo e ia procurar outro pouso. Mas sempre levando a dona do seu coração, que tinha lá os seus truques de alcova para isto.
            Mas, onde é que o profissional de barba, cabelo e bigode viera pousar, desta vez? Justamente na área onde pontificava o Valdevino, um tipo mulherengo por vocação e cafajeste por opção. Pois não demorou muito, desde que o novo barbeiro se instalou na área e assumiu o salão, para que ele botasse os olhos na mulher do profissional e comentasse com seus botões: “Essa alma leva jeito de quem está procurando reza”. E partiu para combater o bom combate...
            Com pouca ou quase nenhuma resistência da parte contrária, não custou muito até que os contendores estivessem confraternizando no campo de batalha. Assim, o Valdevino — duas a três vezes por semana — dava uma passada pela barbearia, só para conferir o tamanho da fila e, feito isto, seguia para a casa do profissional, onde a mulher deste facilitava o acesso do calhorda até a alcova do casal, com a máxima discrição possível. Até que um dia uma vizinha percebeu a situação, comentou o assunto com mais alguém e a história se espalhou, até chegar ao ouvido do marido enganado. 
            Duvidar, ele não duvidou, porque sabia o estilo da mulher que abrigava sob seu teto. Mas passou uns dias remoendo o assunto, até decidir o que fazer. Fazia menos de um ano que se mudara para aquele lugar e seria um transtorno defrontar-se com uma nova transferência. Foi então que pensou na figura do Valdevino e deu-se conta de que, ao contrário de algumas experiências anteriores, nas quais se dera mal e ganhara alguns hematomas, pelo desnível com a compleição física dos “sócios” que a mulher lhe arranjara, resolveu que iria encarar o “Ricardão” da vez.
            E foi assim que, na primeira oportunidade em que o Valdevino sentou-se na cadeira do profissional para fazer a barba, num dia em que só estavam os dois no salão, ele espalhou a espuma pelo rosto do cliente, amolou bem a navalha, de modo que o outro visse e aí começou o serviço. De baixo para cima, foi raspando a espuma, com mais força do que o necessário, para esfolar mesmo, até que estacionou o fio na curva do pescoço e disse:
            — Um passarinho verde me contou que tem um vagabundo frequentando a minha casa e visitando a minha mulher, enquanto eu estou trabalhando. Estou doidinho para degolar esse moleque ordinário, destruidor dos lares alheios. Mas só depois que eu lhe passar a navalha no meio das pernas, para deixa-lo sem nenhuma serventia, como macho. Por acaso seria você esse indivíduo?!
            Valdevino, que estava pálido de susto e medo, afastou com cuidado a mão que segurava a navalha encostada ao seu pescoço, pensou rápido e respondeu, com voz de falsete:
            — Eu?! Com sua mulher?! Que mulher coisa nenhuma, meu querido! Mulher, para mim, só existem três: minha mãe, Nossa Senhora e Carmem Miranda!
            Dizendo isso, levantou-se da cadeira do profissional, antes que este pudesse pensar melhor. E, com um tremelique de corpo, saiu de porta afora da barbearia, caminhando de um modo esquisito e cheio de trejeitos nos quadris.
            Dessa vez, quem se mudou para outro lugar não foi o barbeiro: foi o Valdevino! Para o alívio de muitos maridos e a lamúria secreta de algumas mulheres do bairro.
Nota do autor - Talvez seja necessário explicar, para os mais jovens, que Carmem Miranda era, naqueles tempos, um ícone para os gays, assim como, depois, veio a ser a cantora Madona.

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