Crônicas da semana - SÓ PANCADAS OCASIONAIS
Conseguir um trabalho naquela rádio para
atuar como a “moça do tempo”, até poderia ser considerado como um lance de
sorte. E, de fato, era assim que muitos pensavam, porque, numa cidade de
interior como aquela, não havia grande demanda para profissionais no campo da Meteorologia.
Não
se sabe bem de onde lhe viera essa vontade de estudar os fenômenos atmosféricos
e a climatologia, mas o fato é que, concluindo o ensino médio, foi em busca de
realizar o sonho de graduar-se nessa área e — talvez, quem sabe? — vir a
trabalhar nos telejornais de alguma emissora de televisão, como tantas outras
meteorologistas que há por aí.
Sabia,
pelas informações do próprio espelho e pelos tantos elogios recebidos, que
atributos físicos não lhe faltavam para que fizesse uma bela aparição diante
das câmeras de uma tevê. O problema é que, concluído o curso, precisou retornar
à sua cidade de origem, pelos empecilhos de ordem financeira para manter-se sem
um emprego na cidade onde estudara. E também porque, do meio para o fim da sua
graduação, havia sido pedida em casamento pelo namorado que deixara na terra
natal.
Para
seus pais, de mentalidade provinciana, o casamento, sim, é que era a sua
verdadeira garantia de futuro. Mas para ela, mesmo depois de retornar à cidade
onde nascera, o grande sonho ainda continuava sendo o de exercer a profissão que
havia escolhido. Por este motivo, dentro de suas limitadas possibilidades de
trabalho naquele lugar, acabou procurando a única emissora de rádio que existia
por lá, à qual ofereceu seus serviços, para fazer a previsão do tempo. Acabou
contratada e começou a trabalhar, logo depois de casar-se com aquele namorado
de tantos anos.
O
rapaz era trabalhador, não se pode negar. Porém, não chegava a ser nenhum
modelo de refinamento. Na verdade, era um grosso, um tipo meio rude e de modos
toscos. De tal maneira que, passado o entusiasmo dos primeiros tempos — como é comum
acontecer — o casamento foi resvalando para uma rotina, enquanto o seu trabalho
ia se tornando uma fonte de maior motivação do que a própria vida conjugal.
Sobretudo, depois que escalaram, para o horário em que ela fazia suas previsões
climáticas, um jovem locutor bem apessoado e de voz aveludada, que passou a
cortejá-la, cheio de modos e frases de efeito romântico. Muito ao gosto das
mulheres carentes, mas que ainda não perderam a esperança de ser felizes.
Assim,
de tão bom que era ficarem juntos no estúdio, acabaram procurando um jeito de
ficarem juntos em algum outro ambiente, mais reservado e mais discreto, sempre
que houvesse oportunidade para tanto. Só que isso instigava a inveja e a raiva
de uma colega de trabalho deles, sem os mesmos atributos físicos da “moça do
tempo”, mas que também fantasiava sobre suas próprias chances de fisgar o atraente
mancebo. E se existe uma criaturinha a quem todos devem temer é a tal da mulher
preterida ou enciumada. Porque ela é bem capaz das maiores vilanagens!
Pois foi justamente ela, a
despeitada, quem tratou de chamar a atenção dos demais colegas na emissora para
o “clima” que havia entre aqueles dois, que cobriam o turno vespertino. Chegou
a segui-los, certa vez, só para confirmar suas suspeitas de que, ao final de
seu turno na rádio, mesmo que saíssem separados da emissora, mais adiante tomariam
itinerários que os afastavam das próprias casas e convergiam para o mesmo
destino. Deste ponto em diante, para que o assunto fosse além do ambiente do
estúdio, não demorou muito. Até que um dia um amigo do marido levou a delicada
questão ao seu conhecimento.
Entre
surpreso e desorientado, o traído retirou-se do trabalho antes da hora, indo
esperar pela mulher em casa, embora fosse ela quem, diariamente, chegava mais
cedo e já o recebia de banho tomado, cheirando a shampoo e sabonete. Mas, nesse
dia, não! Nesse dia, foi ele quem chegou primeiro. E quando ela passou pela
porta de entrada, logo percebeu pela cara do marido que havia uma tempestade a
caminho.
Os
detalhes do acontecido naquele começo de noite, eu não sei e nem irei inventar.
Mas sei que, no dia seguinte, ela compareceu para o trabalho com um olho arroxeado,
que pretendia disfarçar com uns óculos escuros, além de alguns hematomas pelos
braços. Ao vê-la, a colega fofoqueira sentiu uma espécie de arrepio pelo prazer
da vingança e não conteve um comentário perverso:
—
E aí, “moça do tempo”? Você previu tempo bom para a noite passada, mas acho que
se enganou. Porque parece que o temporal foi feio, quando saiu daqui. Com
raios, trovões e uma chuva que bateu com força!
A
meteorologista fez de conta que não entendera o sarcasmo e respondeu, sem se
dar por achada, como se a observação da outra realmente se referisse à suas
previsões da véspera:
—
Nem tanto! Só “pancadas ocasionais”...
Dito
isso, caminhou em direção ao banheiro, para conferir se, apesar dos óculos e da
maquiagem, as marcas da tormenta doméstica da noite anterior ainda estavam
muito visíveis...
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