Crônica da semana - O DELICIOSO SALPICÃO DA MAMÃE

Wagner Fontenelle Pessôa

  Era uma dessas festas que algumas pessoas fazem, a propósito de um aniversário em família ou qualquer coisa do gênero, quando o melhor seria não fazer nada. Comida pouca e sem muito gosto, salgadinhos ruins, refrigerante mal gelado, cerveja idem e um churrasquinho de péssima qualidade, preparado numa churrasqueira improvisada nos fundos da casa, que era manejada pelo próprio marido da aniversariante.

  Para completar o vexame, o “piloto da churrasqueira” estava recebendo os convidados — parentes mais próximos e alguns vizinhos mais chegados — com uma bermuda que insistia em escorregar para baixo da barriga e sem camisa, suando mais do que "tirador de espírito" em terreiro de umbanda. Pensem na cena grotesca!

           Eu falei em comida? Bem, na verdade, além do tal churrasquinho, que praticamente só chegava aos que acompanhavam o churrasqueiro, bebendo a cerveja mal resfriada, o que haveria para se mastigar era, apenas, aquele salpicão básico, com arroz branco e batata palha, preparado pela sogra do marido e valorizado por sua filha, a aniversariante, que não se cansava de repetir às amigas, presentes ao convescote:
— Daqui a pouco o jantar vai ser servido. O salpicão que a mamãe faz é tudo de bom! Vocês vão ver só...
Mas, enquanto o jantar não vinha, os presentes se arriscavam nas poucas bandejas dispostas sobre a mesa, com salgadinhos sem muita variedade: os quibes, uns pasteis de forno e também aquelas empadas do tipo “entaladora”, que, sem o auxílio do guaraná e da Coca-Cola, servidos em copos plásticos, talvez não conseguissem percorrer o caminho entre a boca e o estômago, que parece longo demais quando as coisas são pouco saborosas. E isto, quando não deixam aquela sensação de empachamento, pela má qualidade dos ingredientes utilizados pela salgadeira.

Só que o tempo ia passando, e nada de vir o tal "salpicão da mamãe", que, no dizer de sua orgulhosa filha, era "um manjar dos deuses"! Ao lado da mesa principal, uma mesinha, onde pratos e talheres aguardavam pelo jantar, para serem utilizados. Mas a hora se adiantava e, além do grupo que cercava o churrasqueiro lá fora, tudo o que os demais conseguiram mastigar foram uns poucos daqueles salgadinhos que, como dito, afrontava o paladar dos menos rudes. De tal sorte que, lá pelas nove horas da noite, as bandejas já estavam, todas elas, praticamente vazias.

  Melhor dizendo, sobrava numa delas apenas uma empada, a desafiar a vontade e a coragem gastronômica dos circunstantes, que punham um olho comprido naquele salgadinho solitário, embora ninguém se atrevesse a quebrar a barreira do constrangimento, para apropriar-se daquele último petisco, tornado apetitoso pela fome que se alastrava entre os convidados.

  Pois foi quando, de repente, por um desses problemas que nos causam as operadoras dos serviços de energia elétrica, a luz se foi. E, segundos depois, naquela completa escuridão, ouviu-se um grito inesperado e incompreensível. Todos se ficaram tensos, sobretudo, por não saberem do que se tratava. Por um momento, um silêncio pairou no ambiente, até que, tão rápido quanto se fora, a luz voltou a iluminar a sala.

  Foi, então, que os presentes entenderam — instantaneamente — a causa daquele grito. Agarrando a última empada da bandeja, sangrava a mão de um convidado afoito. E espetados nela, bem uns três ou quatro garfos, de outros convidados, mais precavidos.
Pela classe e pelo estilo da festa, dá para imaginar a qualidade do "delicioso salpicão da mamãe”, que a velha terminava de preparar, lá pela na cozinha. Naquela noite não houve “sal de fruta” que chegasse, porque deve ter sobrado azia para todos os convivas!       



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