A ALDEIA DO PEROCÃO

Wagner Fontenelle Pessôa (*)
           Foram as muitas andanças de meu pai e minha mãe, por tantos lugares, como Minas, Rio de Janeiro e Ceará — em cada um dos quais veio ao mundo um dos seus filhos — que me trouxeram a boa sorte de nascer no pequeno e lindo Estado do Espírito Santo. Mais precisamente na cidade de Cachoeiro de Itapemirim, o que me confere, de fato e de direito, a cidadania capixaba, da qual eu muito me orgulho.
            Tive um amigo no Amazonas que, sabedor disso, costumava me provocar, dizendo que o capixaba não passa de um baiano que se dirigia ao Rio de Janeiro, mas se cansou e acabou ficando pelo meio do caminho. Pior é você — respondia eu — que nasceu num lugar do Amazonas que nem do Amazonas parece ser, porque se chama “Boca do Acre”! Nós ríamos muito daquilo, mas era uma oportunidade imperdível de contar-lhe sobre as coisas da minha terra, que a maioria dos brasileiros não conhece.


            Num país de tantas diversidades e com tantas belezas naturais, o Espírito Santo é uma joia encravada na Região Sudeste, entre o mar e a montanha. Lá, a natureza é exuberante, a comida típica é imperdível e a hospitalidade espontânea com que o capixaba recebe os forasteiros é cativante! Geograficamente, é ali que se encontra o ponto central do litoral brasileiro, equidistante das duas extremidades dos quase 8.000 quilômetros de extensão que a nossa costa possui. São praias, enseadas, istmos e ilhas de uma beleza esfuziante, que nenhum artista humano seria capaz de criar.

            Apesar de tudo isso, o fluxo turístico para o estado capixaba tem origem, basicamente, em Minas Gerais e (em menor escala) no Rio de Janeiro. Turistas de outros estados e até de outros países também passeiam por lá. Só que em quantidade bem menos expressiva, se comparados aos mineiros e fluminenses.

            Foram os mineiros, na verdade, os primeiros turistas a frequentarem regularmente as praias espírito-santenses, em sua eterna busca pelo mar. Aí pelo final da década de 1940, quando Guarapari ainda era um pequeno balneário e Marataízes não passava de uma colônia de pescadores que crescera um pouco, graças aos veranistas das cidades mais próximas. O pessoal das Gerais foi chegando aos poucos, em pequenos grupos e quando os capixabas perceberam, eles já vinham aos montes, em todos os verões, comprando e construindo casas por lá.

            É dessa fase uma história engraçada que se contava em Cachoeiro, no meu tempo de menino. Dizia que um mineiro, já habituado aos veraneios em Marataízes, certa vez trouxe um conterrâneo, para conhecer aquele lugar aprazível. E foi logo exibindo as delícias do lugar ao convidado. Mostrou o mar e fez o outro provar da água, para ver como era salgada mesmo (esse, um antigo chiste, que os nativos faziam com os que iam à praia pela primeira vez), mostrou ao outro a chegada de uns barcos de pesca e os vendedores de manga e abacaxi, que entregavam a sua carga na porta da freguesia.
Gabou o quanto pôde as maravilhas da terra e do mar para o amigo, que estava visivelmente deslumbrado com o lugar. E para arrematar, comentou:
— Isso aqui, rapaz, é um verdadeiro paraíso! “Ocê” tem tudo prá viver feliz num lugar assim... O único problema aqui é que, no verão, esse “trem” enche de capixaba e a gente perde o sossego!

Como se vê, há inúmeras razões pelas quais vale a pena conhecer o Estado do Espírito Santo: suas belezas naturais, tanto do litoral, quanto da deslumbrante região serrana, na qual se pratica uma das mais bem sucedidas atividades de agro turismo neste país. Suas riquíssimas jazidas de pedras decorativas, sua admirável atividade agropecuária e pesqueira, sua infraestrutura hoteleira e portuária, sem falar da sua culinária típica, que é um capítulo à parte nas lembranças de qualquer turista.
Além disso, encontram-se por lá alguns sítios de importância histórica e arqueológica. Como, por exemplo, uma das localidades mais antigas de Guarapari que, embora não se saiba com exatidão a data de fundação da aldeia, uma interessante matéria publicada no Blog “Cultura Maratimba”, esclarece: “é certo que a mesma já existia no século XVI. Existe a hipótese de ter se originado da aldeia dos índios Guará (do Tupi = cão, lobo) que migraram do Rio de Janeiro onde se encontravam em guerra com os Tamoios pelo ano de 1555.”. É a Aldeia do “Perocão”, uma das mais antigas do Espírito Santo.
Eu não tenho maiores informações sobre esses índios, mas talvez isso traga alguma razoabilidade à teoria do meu amigo amazonense. Um grupo de baianos, viajando em direção ao Rio de Janeiro, deparou-se com os nativos do “Perocão” e preferiu que seria mais proveitoso ficar por ali mesmo. Assim, teriam tido origem os capixabas. O certo, porém, é que os mineiros e fluminenses só descobriram essas maravilhas do Espírito Santo muito tempo depois!
(*) O autor, Wagner Fontenelle Pessôa, é professor, advogado, cronista, comentarista e escritor diletante. 

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