ANIMAIS SORRIDENTES
Wagner Fontenelle Pessôa (*)
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Foi o filósofo grego Aristóteles quem
disse que “o homem é o único animal capaz de rir”. Quem sou eu para questionar
Aristóteles no campo da Filosofia? Acontece que essa questão não é filosófica:
ela está no campo da Biologia e da Zoologia. Pois, neste caso, o filósofo que
me desculpe, mas tenho por certo que ele se enganou redondamente.
É
claro que os sábios da Grécia, cinco séculos antes de Cristo, não sabiam que os
animais de tantas outras espécies — ainda hoje, considerados “irracionais” por
muita gente — são seres sencientes. Isto é, capazes de sensações e sentimentos,
em nada diferentes das que experimenta um ser humano. Sensações físicas, como a
fome, o frio, a sede e sentimentos, como o medo, o estresse, a saudade e a
tristeza.
A
internet e as redes sociais têm ajudado a demonstrar este fato, divulgando
milhares de vídeos, nos quais a evidência dessa verdade científica chega ao
nível da obviedade. Mas o assunto não se limita a isso. Os espiritualistas e a
própria literatura especializada trazem argumentos, cada vez mais difíceis de
refutar, de que esses outros animais também são dotados de um tipo de alma e
possuem um caráter, na maioria dos casos, muito mais nobre do que o de muitos
humanos que há por aí.
Mesmo
assim, ainda há quem considere que nenhum animal além do “bicho-homem” seja
capaz de rir e aquilo que, neles, se assemelha a um sorriso, não passa de uma
contração facial, que pode até decorrer de um estado de alegria, mas não é a
manifestação consciente dela.
É
triste, quase trágico, que nos dias atuais, apesar de todos os avanços da
ciência e da tecnologia, exista tanta gente acreditando que, em relação a isto,
Aristóteles ainda não está ultrapassado. Certamente, o grande filósofo nunca
teve um cachorro ou um gato — exceto se foi como um elemento de decoração em
casa — ou jamais se deteve na análise do comportamento deles e de suas reações.
Talvez
algum leitor, havendo consumido o seu tempo para chegar até aqui, esteja
pensando neste momento: mas quem é esse pretensioso, que ousa discordar de
Aristóteles, um dos pilares do período socrático na filosofia grega, discípulo
de Platão e mentor de Alexandre, o Grande? Então eu explico.
Não
estou questionando Aristóteles, mas tão somente concluindo que ele estava
equivocado ao fazer uma afirmação como essa. A uma, porque não é possível imaginar
que ele jamais haja cometido um só equívoco em tudo quanto afirmou. A duas,
porque daquele tempo para cá, o mundo evoluiu, a ciência descobriu coisas que nenhum
filósofo percebera antes e a tecnologia desenvolveu instrumentos e técnicas
para mensurar o que, durante milênios, os sábios só explicavam (ou pretendiam
explicar) pelo método da dedução.
Por
isto — no que se refere a este assunto — eu me permito, reconhecendo embora a
minha insignificância intelectual, discordar de Aristóteles e de qualquer outro
filósofo que abrace a sua conclusão como verdadeira. E prefiro adotar os
acréscimos que, em relação a ela, fizeram dois escritores e humoristas
brasileiros, aos quais muito admiro.
O
primeiro deles é o Luís Fernando Veríssimo, quando complementou e deu algum
sentido à frase do filósofo grego, escrevendo: “O homem é o único animal que ri
dos outros”. E o segundo, o brilhante Millôr Fernandes, que, além de transformar
a frase de Aristóteles numa verdade insofismável, ainda o fez de maneira hilariante:
“O homem é o único animal que ri e é rindo que ele mostra o animal que
realmente é”.
Uma
ironia absolutamente genial, que, além do mais, explica o inarredável bom humor
dos brasileiros, apesar da lastimável experiência política, econômica e
administrativa que arrastamos em nossa história.
Porque,
se não fôssemos os “animais sorridentes” que realmente somos, ao contrário de estar
rindo, como costumamos rir de tudo, nós deveríamos era estar chorando.
(*) O autor, Wagner Fontenelle Pessôa, é
professor, advogado, cronista, comentarista e escritor diletante.
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