UM APERTO NO CORAÇÃO
Wagner Fontenelle
Pessôa
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A moderna indústria de
brinquedos, com elevado grau de sofisticação e tecnologia, deu às crianças das
gerações mais recentes, uma série de instrumentos facilitadores das fantasias
infantis: as meninas brincando de serem mocinhas, mães e donas de casa; os
meninos, sempre inspirados em heróis, mocinhos ou bandidos.
Para
as primeiras, bonecas, utilitários e eletrodomésticos que funcionam como se
verdadeiros fossem; para os últimos, armas que simulam disparos reais ou carros
que funcionam sem que o pequeno nem precise chegar perto deles. E tudo, movido
a pilhas e baterias. Em contrapartida, tirou dessa infância, tocada a joysticks e controles remotos, a
necessidade e o prazer de produzir seus próprios brinquedos e inventar suas
diversões.
Naquela época, em que a expectativa de ganhar um
brinquedo só existia (e quando existia) para a maior parte das crianças no
aniversário ou no Natal, assim como a maior parte dos meninos da minha geração,
criei muitos objetos para o meu lazer, algumas vezes tirando a ideia de um
livro de Ciências e noutras, da minha própria imaginação.
Saudosismo
à parte, eu me sinto feliz por haver pertencido a uma geração de crianças
criadas no interior, onde não havia ainda chegado nem mesmo a televisão que,
naquela época, só era transmitida para as capitais e para as grandes cidades do
centro-sul do país.
Portanto,
os nossos brinquedos não eram, em sua maioria, comprados em lojas ou sugeridos
e instigados aos pequenos por programas de desenhos animados. Muitos deles,
aliás, eram construídos por nós mesmos, com os recursos que tínhamos à nossa
disposição: pedaços de madeira, caixas de papelão e vidros vazios ou tiras de
câmaras de ar, forquilhas de goiabeira e outras coisas do gênero.
Para tanto, também concorriam, de forma estupenda, as
nossas aulas de Ciências ou de Trabalhos Manuais, num sistema de escolarização
em que todos os alunos — meninos ou meninas — tinham de aprender a construir
algumas coisas, com serrinha tico-tico, cola, compensado, cortiça, papelão,
tesoura e fitas. Porque as “diretrizes e bases da educação nacional” entendiam
que tais práticas ajudavam a desenvolver as potencialidades dos infantes.
Por
conta disso, certa vez chamusquei o rosto todo, testando um revolver que
resolvi fazer, utilizando um pedaço de cano galvanizado. E, de outra feita,
provoquei um curto-circuito e quase incendiei a casa, tentando fazer funcionar
um projetor de cinema, que nem de cinema era, mas apenas de uns pedaços de
negativo que consegui com um porteiro do Cine Broadway, lá na minha terra natal.
Não
era como esse tempo de agora, em que os educadores são obrigados a discutir “competências
e habilidades”, nas intermináveis reuniões pedagógicas ao início de cada
semestre. Mas que, no correr do período letivo, cuida-se (e cada vez mais) de
fazer as crianças compreenderem que, neste mundo de Deus, é cada um por si e
Deus por todos, para quem acredita nele.
Sinto saudade e certa melancolia desse tempo. Não por
puro saudosismo, como já disse e repito, mas porque sinto pena dessas gerações
mais recentes, que vão perdendo a inocência prematuramente e são obrigadas a pular
etapas, na pista de competições que é o caminho inexorável de suas vidas. E me
penaliza essa coorte de crianças que não se sentem instigadas a inventarem
brincadeiras e brinquedos, porque os aplicativos, que baixam da internet, já
trazem todos os jogos prontos.
A primeira vez em que me dei conta de que o universo das
crianças estava se transformando nessa direção, já faz um bom tempo. Foi quando
uma criança da minha família ganhou um boneco lindo, um produto importado e que
parecia um bebê de verdade.
Ela
mexeu com o brinquedo, apertou prá lá e prá cá, virou de cabeça para cima e
para baixo e depois, com um ar de quem não estava entendendo direito, devolveu o
boneco para quem lhe dera o presente e pediu:
— Agora bota as pilhas.
Era a réplica perfeita de um bebê, mas não usava nenhuma
pilha, claro! E todos acharam muita graça na decepção da pequena, cuja
compreensão era a de que todo brinquedo, para fazer algo de interessante — como
rir, chorar ou algum movimento — deveria funcionar com pilhas.
Não há como ignorar ou enfrentar a revolução tecnológica,
que oferece diversões eletrônicas, cada vez mais sofisticadas, para as nossas
crianças. Mas não consigo pensar nisso sem sentir, pelo menos, um aperto no
coração...
Um comentário
Quem teve um aperto no coração foi eu. Comecei a ler a clonica e quando dei por mim eu estava nos anos 1955, quando aos 8 anos de idade fazia os meus próprios brinquedos, entre eles um par de pernas de pau, com o qual eu percorria as ruas de conselheiro Josino. E quando furava a bola de borracha vermelha, improvisava uma bola feita de meia. Acho que continuo nos anos 50. Acordei.
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