Violência de moradores em situação de rua preocupa
As mãos
estendidas se tornaram uma visão comum em Campos, onde uma massa de pessoas em
situação de rua faz morada. O fenômeno é especialmente visível no entorno da Praça
São Salvador, local em que voluntários tradicionalmente distribuem alimento e
algumas palavras de conforto. Durante as noites, as marquises dos prédios de
arquitetura eclética que marcam a área se tornam verdadeiros albergues
improvisados. Entre um pedido de um “trocado” e outro, eles vivem suas vidas
ali. E quem frequenta a região afirma que a convivência entre eles e entre quem
reside e trabalha nas imediações nem sempre é pacífica. Os relatos vão de
abordagens intimidatórias a assaltos, passando por agressões de gravidade
variada. Prática de relações sexuais e consumo de drogas ao ar livre também
seriam comuns. O resultado é que muita gente está mudando seus hábitos diários
ou simplesmente deixando de circular pelo Centro.
Pela Praça São Salvador foi possível flagrar evidências da ocupação do
espaço. Presos entre as grades e as pilastras do prédio dos Correios, alguns
pertences pessoais, como cobertores e colchões. Nas grades que cercam o Soldado
Desconhecido, monumento que homenageia militares brasileiros mortos em
conflitos no exterior, roupas penduradas para secar ao sol. Próximo a uma banca
de jornais, uma placa que sinalizava uma vaga prioritária de estacionamento foi
arrancada. O jornaleiro Luiz Manoel, que trabalha no mesmo ponto há mais de 40
anos, afirma que foi resultado de uma briga entre pessoas em situação de rua.
“Foi pouco antes das 6h. Um deles estava bastante embriagado. Chegou a
cair duas vezes. Uma mulher o botou de pé e ele veio para cá. Tentou abordar
outro, que estava se levantando, e se formou um tumulto. Com raiva, ele começou
a sacudir a placa, até que ela tombou”, conta. “Um guarda municipal colocou a
placa de pé. Mas, se empurrasse, ela caía em um carro ou uma pessoa. Aí veio
outro e retirou”.
Segundo Luis, a prática de vandalismo é corriqueira. “Eles brigam entre
si e quebram lixeiras e lâmpadas”. O jornaleiro descreve a situação como
“horrorosa”.
“Esses dias, cheguei aqui e a porta estava cheia de canjiquinha. Tive
que limpar tudo para conseguir abrir”, o recorda, que limpa diariamente a banca
com cloro, já que a estrutura serve de banheiro para pessoas que se abrigam na
calçada dos Correios.
Violência e
constrangimento
Mas, os problemas não se limitam à sujeira e às confusões. Situações
constrangedoras também são citadas com freqüência por quem está todos os dias
no Centro. “Dias atrás, um cara ficou nu e saiu defecando em pé. Em outra
ocasião, uma mulher cismou de ter relações sexuais com um homem na calçada”,
diz Luiz.
O taxista Silvano Cordeiro trabalha a dois meses no ponto ao lado da
Catedral do Santíssimo Salvador e afirma que é comum ver pessoas urinando e
defecando pelo local. “Eles fazem as paredes da igreja e as calçadas de
banheiro”, afirma.
Há, também, consumo de drogas e violência. “Você passa aqui 19h e tem
gente fumando crack. É uma bagunça só”, relata Lena Ribeiro Gomes, proprietária
de uma padaria que funciona há mais de 40 anos no mesmo local.
No último dia 31, a jornalista Roberta Barcellos, chefe de gabinete do
vereador Claudio Andrade e chefe de reportagem do Jornal Terceira Via, foi
agredida verbalmente por uma mulher em situação de rua. Só não houve confronto
físico porque a Polícia Militar e a Guarda Civil Municipal intervirão.
A agressão aconteceu durante uma briga protagonizada pela mulher e um
homem. A jornalista filmava a discussão, quando foi notada pela agressora, que
a abordou de forma violenta, ameaçou quebrar seu celular e matá-la.
“O clima é de medo”, resume a cabeleireira Alessandra Souza. “Eles
abordam a gente de maneira ameaçadora, pedem dinheiro e se a gente diz que não
tem, nos chamam de pão-duro. Esses dias, roubaram a bolsa de uma mulher às 9h.
Foram embora e ela ficou passando mal”, relata.
Mudanças na
rotina
Este clima de insegurança impôs mudanças às rotinas de quem trabalha no
Centro. Luiz passou a baixar as portas de sua banca mais cedo. “Estou fechando
às 17h, de segunda-feira a sábado, e às 11h, aos domingos, pois não tenho como
garantir a segurança dos meus clientes”, diz Luiz, que, no passado, trabalhava
até as 21h.
O advogado Leandro Gomes passou a usar o carro com cuidado. “Chegamos
mais cedo, saímos mais cedo. Tem dias que não venho de carro, especialmente se
chegar precisar estacioná-lo longe ou prolongar o expediente”, diz.
Alessandra, afirma que as cabeleireiras que trabalham com ela passaram a
sair do salão em grupos. “Nós vamos de van. Então, quando dá nosso horário,
procuramos sair com uma ou mais colegas para ter mais segurança até chegar ao
ponto”, revela.
Abandonado
Composta de direitos garantidos pela Constituição Federal — que os
assegura, inclusive, poder ir e vir —, o crescimento da população em situação
de rua representa um desafio social para qualquer município. As pessoas ouvidas
pela reportagem, porém, afirmam que a atuação da Prefeitura de Campos é
insuficiente.
“Não vejo ninguém tomando atitude. Chegam aqui, conversam com eles,
dizem o que não podem fazer e daqui a pouco está tudo igual”, diz Lena.
Já Silvano, afirma ter visto uma equipe do Centro de Referência
Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) “uma única vez”.
“O pessoal do Centro POP passou aí uma vez e não vi mais”, diz Silvano. “A
Polícia Militar está sempre pelo Centro e aborda alguém de vez em quando, mas
continuam aí”.
“A gente percebe que há uma omissão do poder público. Já deveria ter
sido resolvida essa situação há muito tempo. Cada dia piora mais”, opina
Leandro, que mantém seu escritório há 10 anos no Centro. “Está abandonado. Vi
carros da Prefeitura por aqui uma ou duas vezes, talvez para avaliar a
situação, mas, no fundo, ninguém resolve nada.”
A Prefeitura emitiu nota
oficial em que afirmou que “a Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social faz
abordagem social por meio da equipe multidisciplinar do Centro de Referência
para População em Situação de Rua. A partir do atendimento, eles são
encaminhados para os diferentes serviços de acordo com as necessidades, como
saúde, cursos profissionalizantes e emissão de carteira de trabalho, entre
outros. No entanto, fica a critério da população em situação de rua participar
do programa de acolhimento, não sendo obrigada a aceitar”.
Não ficou claro, porém, com que frequência acontece essas abordagens,
como elas são feitas e qual é a taxa de sucesso. A Prefeitura também não
respondeu se há algum estudo que aponte o número de pessoas em situação de rua
hoje no município e nem como atua em relação às práticas de crimes e
contravenções.
A Secretaria de
Desenvolvimento Humano e Social realiza um importante e contínuo trabalho de
abordagem não compulsória através de equipe multidisciplinar, com profissionais
como assistentes sociais, psicólogos e orientadores sociais, além de operações
pontuais de reforço a estas abordagens, unindo outros órgãos como
superintendência de Postura, Grupamento de Proteção Social (GPS) da Guarda
Civil Municipal, entre outros. Estamos nos mobilizando para que estas ações
conjuntas sejam ainda mais frequentes e já estamos programando nova operação
para os próximos dias diz.
Fonte: Terceira
Via
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