TOTALMENTE SEM NOÇÃO!
Wagner Fontenelle Pessôa
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Há coisas que ninguém deve
fazer ou dizer — por sua inconveniência ou por estarem em completo desacordo
com o momento — mas que muita gente diz e faz. Não me refiro às reações
inadequadas, das quais já tratei anteriormente, mas aos comportamentos
impróprios, motivados pela grossura ou pela falta de educação. Também há quem
classifique essas coisas como “ausência de berço”, responsabilizando a família
pela falta de estilo ou de elegância do “casca-grossa”.
Neste
caso, porém, não se deve confundir o termo com o significado que lhe atribuem
os praticantes das artes marciais, para quem “cascas-grossas” são aqueles
lutadores que aguentam muita pancada, soco na cara e tapa na orelha, sem saírem
correndo do “octógono” (aquela espécie de ringue oitavado), que é o que
qualquer pessoa com um pouco de juízo deveria fazer, quando estivesse apanhando.
Mas, retomando o assunto, é necessário esclarecer três
coisas. Em primeiro lugar, a falta de sutileza e de senso de oportunidade não
está necessariamente atrelada à educação familiar. Porque todos nós conhecemos
pessoas que se comportam de forma muito tosca, embora bem nascidas e bem
criadas. Ou, ao contrário, pessoas que, mesmo tendo origem muito humilde,
apresentam um comportamento social admirável, com absoluto discernimento para o
que dizer e onde dizer.
Esta é, exatamente, a segunda questão. A fineza e a
adequação nos modos da criatura podem não ter nada a ver com o padrão
socioeconômico de sua família e do berço que teve. É uma característica muito
pessoal, mesmo reconhecendo que uma boa orientação familiar seja de grande valor
e utilidade, para burilar uma alma bruta. Embora, às vezes, além de bruta a
alma do inconveniente também seja resistente a qualquer espécie de polimento.
E, por último, há o fato de que nem sempre as
inconveniências cometidas por algumas pessoas devem ser creditadas na conta de
meras grosserias ou ao seu propósito de cometer uma desatenção com os próximos.
Muitas vezes, elas se devem à uma simples falta de noção de quem as comete,
ficando mesmo no campo da carência de discernimento. Cada um que chame como quiser
aquele ou aquela que se comporta de maneira imprópria, mas o rótulo que melhor
se aplica a esse tipo de gente é o de “sem noção”!
Num dia desses, por exemplo, entrei em uma pequena mercearia,
dessas de bairro, à procura de “ovo caipira”, porque os que se encontram nos
supermercados — de galinhas criadas em granjas, a poder de ração e muito hormônio
— estão difíceis de consumir! Nestes (os de granja), a clara e a gema são
inimigas mortais e misturá-las, para fazer uma omelete ou ovo mexido, é uma
tarefa quase impossível de realizar! Aí perguntei ao dono do lugar se os ovos
dele (não os dele, propriamente, mas os que ele estava vendendo!) eram mesmo da
roça.
O homem ia começando a responder que sim, quando uma
velha que estava ao lado, comprando umas verduras, atalhou a nossa conversa e
começou a me explicar onde é que eu encontraria uns ovos bons para comprar,
dando detalhes e o endereço do lugar. E, quanto mais eu agradecia e tentava
encerrar o assunto, diante da visível irritação do merceeiro, mais ela detalhava
a informação e tecia elogios aos ovos da concorrência. É um caso típico de
gente sem noção!
De outra vez, contudo, eu me vi numa situação pior ainda,
quando fui a uma loja de roupas, em busca de uns shorts e camisas de malha. A
loja ficava num shopping, que estava com pouco movimento naquele horário. Fui
atendido pelo proprietário, que começou a me mostrar as opções que tinha para
aquilo que eu procurava. E, como é de praxe nessas ocasiões, a gente acaba
experimentando muito mais peças de roupas do que aquilo que pretende e acaba
comprando. Inclusive, pela insistência do lojista, num dia de poucas vendas.
Pois
eu estava nessa função de tirar roupa e colocar roupa, quando tocou o telefone
celular do cara. Ele conversou rapidamente com alguém e voltou a me dar
atenção, dizendo:
— Amigo, eu vou precisar dar uma saída para ver o
movimento de banco, mas pode ficar à vontade, que a minha esposa está vindo
para me substituir e continuará a atendê-lo.
Logo em seguida ouvi uma voz feminina falando alguma
coisa com ele e deduzi que já era a mulher que havia chegado, para assumir a
loja, bem no momento em que eu me despira de um short e iria vestir o próximo.
Foi quando ele, sem me avisar nada, abriu a cortina do provador e me expôs para
a recém-chegada, assim como vim ao mundo, dizendo:
— Meu amigo, esta aqui é a minha mulher, que vai
continuar o atendimento, porque preciso ir agora, para não perder o horário do
banco. Fique à vontade!
Mais à vontade do que eu já estava, era impossível! E como
não me ocorresse nada de mais adequado para fazer, eu estendi a mão para ela e
lhe disse, procurando imprimir um tom respeitoso à minha entonação:
— Muito prazer, minha senhora. Vamos já conversar...
Ela respondeu ao
meu cumprimento com igual cortesia. Aí, fechei a cortina do provador de volta e
fiquei me sentindo absolutamente ridículo, diante daquela situação impensável.
Sejamos descontraídos para apresentar a mulher a um cliente, mas desse jeito
também, já é um pouco demais!
Neste caso, porém, eu não diria que o sujeito é “sem
noção”... Eu diria que ele é totalmente sem noção!
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