CABECINHA GRANDE

Wagner Fontenelle Pessôa                    
Existem pessoas que possuem uma capacidade incomum de acompanhar várias conversas ao mesmo tempo, num restaurante ou em qualquer outro ambiente em que, próximo delas, ocorram conversas paralelas, às vezes, sobre assuntos totalmente diversos.
            O meu tio Geminiano — irmão do meu pai — era um craque em fazer isso! E não só fazia, como se divertia ao fazê-lo, ouvindo e participando do que falavam vários grupos, simultaneamente. Algumas vezes, nos encontros de família, ele preferia não tomar assento junto a nenhum deles e localizava a sua cadeira entre duas ou três mesas, para escutar e dar palpite em todas as conversas. Um pouco para fazer graça e, outro tanto, por abelhudice mesmo.
            Também existem aquelas pessoas que, embora sem possuírem essa aptidão e movidas apenas pela bisbilhotice de quem adora especular sobre a vida alheia, cultivam o hábito de prestar atenção no assunto dos outros. No sobe ou desce de um elevador, numa fila de banco, durante a viagem num coletivo ou em qualquer circunstância do gênero. Umas fazem isso de maneira mais disfarçada e outras, de modo absolutamente indiscreto, chegando a constranger os que estão sendo ouvidos.
            Mas ainda há uma terceira situação, que é quando, pelas condições do ambiente, a gente acaba acompanhando o assunto dos outros, mesmo que não esteja procurando fazer isso. Porque as pessoas estão falando mais alto do que o recomendável ou porque estão muito próximas de onde estamos e é impossível não escutar o que conversam.
            Pois foi exatamente o que me aconteceu, na semana passada, quando resolvi tomar um café num bistrô, que costumo frequentar. É um ambiente pequeno, aconchegante, com poucas mesas, mas próximas demais, umas das outras. A única disponível, nesse dia, ficava entre a que era ocupada por um casal e outra, dividida por duas senhoras, que falavam sem parar e um pouco alto, como se não fizessem questão de privacidade em relação ao que matraqueavam.
             Não que estivessem trocando segredos ou tratando de temas que merecessem algum sigilo, porque o assunto girava em torno dessas questões de família, que não me interessavam nem um pouco. Até que uma delas mencionou a netinha, perguntando à outra:
            — Dá para aumentar a gola daquele pijama que a Luana ganhou? É que ela tem a cabecinha meio grande e não passou de jeito nenhum pela gola!
            Diante do aparente espanto da amiga, que, talvez, tivesse sido quem deu o presente, a avó abrandou a referência à pequena cabeçuda:
            — Ela é linda, mas a cabecinha é meio grande. Eu não sei a quem ela puxou, porque ninguém, na família, tem a cabeça grande desse jeito...
            Pela insistência com que ela, carinhosamente, insistia em acentuar o tamanho do “cocuruto” da neta, deduzi que o que a criança tinha sobre o pescoço era aquilo que os nordestinos costumam chamar de “cabeça de mata mamãe”. Porque é prá lascar logo a gestante na hora do parto!
            A amiga, no entanto, sem fazer outras considerações sobre a anatomia craniana da menina, disse que sim, que seria possível resolver o problema, levando o pijaminha para uma costureira da sua confiança.
            Eu é que tive de segurar a vontade de me meter no assunto das duas. Porque o meu ímpeto foi perguntar à avó da criança — a da cabecinha grande, contrariando a genética das famílias paterna e materna — só para satisfazer a minha curiosidade:
           
            — Minha senhora, por acaso os pais dessa criança não são amigos ou têm algum vizinho cearense, não?

            Mas, sei lá... Elas poderiam achar que eu estava debochando da criança e, então, apenas pedi a minha conta, paguei e fui embora, guardando essa suspeita só para mim.


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