O GLORIOSO FÉLIX I
Wagner Fontenelle Pessôa |
Quando, nos anos finais da década de 1950, os Estados Unidos e a União Soviética se meteram a conquistar o espaço — numa competição mais ideológica do que tecnológica, cujo objetivo final era o de demonstrar ao mundo a superioridade do modelo capitalista ou socialista — a Rússia deu a partida, lançando nas alturas o primeiro “satélite artificial”, que era como a imprensa se referia ao pioneiro "sputinik". O artefato não passava de uma esfera metálica espetada de antenas, cuja única proeza era a de emitir uns “bips”, que permitiam o seu rastreamento, por várias estações na Terra, enquanto durassem as suas baterias. Os soviéticos exultaram de alegria e os norte-americanos se roeram de inveja.
Algum tempo depois, animados pelo sucesso, os russos mandaram ao espaço uma nave, se não “tripulada”, pelo menos ocupada por uma passageira singular: a Laika, uma cadelinha que desempenhou o histórico e triste papel de provar ao mundo que um ser vivo poderia ir além de onde chegavam os aviões de carreira. Tanto quanto poderia morrer por lá mesmo. E, de fato, foi uma viagem sem volta.Seguindo a mesma trilha, o Tio Sam mandou um macaco lá prá cima. Só que, desta vez, com passagem de ida e volta. Na sequência dos fatos, houve o voo do Yuri Gagarin, o primeiro homem a ir ao espaço extra-atmosférico. Pelo menos, segundo os registros oficiais. Os norte-americanos tornaram a correr atrás do “prejuízo” de sua imagem perante o mundo e injetaram aquele montão de dinheiro no seu Programa Espacial. Porque, se não haviam mandado o primeiro homem ao espaço sideral, teriam de ser os primeiros a levarem um homem até a Lua e o trazerem de volta, segundo o memorável discurso do seu jovem presidente, John Kennedy.
Estava estabelecida a competição. O que a União Soviética fazia em segredo, só mostrando os resultados, os Estados Unidos faziam com o maior estardalhaço, seguindo a velha máxima inventada por eles de que “a propaganda é a alma do negócio”. E deste modo, cada qual no seu próprio estilo, foi caminhando a chamada corrida espacial, com acidentes e perdas, inclusive de vidas humanas, de ambos os lados.
Foi quando o Brasil, muito saliente, resolveu entrar também na corrida pela conquista do espaço superior. Assim, por obra e graça da recém-inaugurada ditadura militar de 1964, escolheu-se um lugar do litoral nordestino e ali foi instalada, nas proximidades da cidade de Natal, a base para os lançamentos do programa espacial brasileiro: a chamada Barreira do Inferno.
Na verdade, o tal programa cósmico brasileiro nunca chegou mesmo a decolar. Além do lançamento de alguns foguetes de pequeno porte — quase todos adquiridos no exterior — o Brasil nunca foi além do estágio de “observação meteorológica” em sua aventura espacial.
Mas, para não ficar parecendo que estou sendo movido pela má vontade, posso lembrar que, seguindo as pegadas da cadelinha russa e do macaco norte-americano, também tivemos a oportunidade de mandar o nosso mascote ao espaço.
Foi um gato, quem sabe, se numa discreta homenagem aos políticos brasileiros? E a missão chamou-se Félix I, o que nos leva a supor que estiveram planejando o envio de outros “felpudos” ao espaço. No entanto, pelos resultados nefastos dessa missão inaugural, parece que o plano foi encerrado com o lançamento do glorioso Félix I e Único, um título que mais o assemelha a um Rei Momo, do que a um exuberante astronauta de quatro patas. Porque o resultado da missão não foi nada bom.
Feitos os preparativos, com o foguete propulsor montado na base de lançamentos, o "bichano" devidamente examinado pelos veterinários de plantão e instalado na ogiva que lhe fora destinada, procedeu-se à contagem regressiva. Feita a ignição, o projétil partiu, elevando-se do solo por uns poucos instantes. Menos de três minutos, pelo que me lembro. E, então, explodiu em voo.
Foi a primeira vez — e imagino que também tenha sido a última — que choveu carne de gato, sobre o território do Rio Grande do Norte.
Um comentário
Seria cômico se não fosse trágico, pobre Felix!
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