UM BICHINHO SEM RESPEITO!


Wagner Fontenelle Pessôa
Depois de dois anos de um casamento terminado iniciei novo relacionamento com uma colega de trabalho, também professora e na mesma instituição em que eu lecionava. Não foi, como se costuma dizer, uma coisa de "caso pensado". Simplesmente aconteceu, mas — tanto para ela, quanto para mim — o fato de trabalharmos na mesma escola trazia, de certo modo, um elemento complicador.
  Ambos estávamos começando a escrever um capítulo novo de nossas vidas e caminhando por um caminho que ainda não sabíamos aonde iria nos levar. Portanto, não nos agradava ficar alardeando aquilo e nem criar espaço para que os demais colegas ficassem especulando sobre algo que, afinal de contas, só dizia respeito aos envolvidos na questão. Embora sabendo que é o que geralmente acontece numa situação dessas, como bem explicado no “Tratado Geral Sobre a Fofoca”, que o José Ângelo Gaiarsa publicou em 1978.
  É claro, porém, que essas coisas não se escondem por muito tempo e que os demais colegas acabariam percebendo, como, de fato, perceberam esse clima de “recomeço” que se evidencia no astral dos protagonistas, em situações desse tipo. Mas nenhum de nós queria ser alvo de conjecturas sobre a nossa vida privada e, sendo assim, procurávamos agir com discrição no ambiente profissional. Até porque já havíamos passado, há bastante tempo, daquela fase do “eu só vou se você for”, que é típica dos amores adolescentes.
Procurávamos, por isto mesmo, agir com absoluta naturalidade quando estávamos em nosso local de trabalho, evitando manifestações de afetuosidade explícita, incompatíveis com as circunstâncias e o lugar. Mas, como havia, entre nós muita afinidade de interesses e  compatibilidade das coisas vividas, tínhamos assunto de sobra e gostávamos de aproveitar os intervalos ou a passagem entre as aulas para ficar conversando.
Conversávamos como quaisquer dois colegas de trabalho podem conversar, sem nenhum problema. Embora, com mais frequência e por mais tempo, como é evidente e compreensível, diante da situação. De tal sorte que, se procurávamos não chamar a atenção dos colegas sobre nós, era natural supor que, menos ainda, os alunos estivessem percebendo alguma coisa sobre aquele relacionamento. Inclusive, porque nossas turmas não eram as mesmas.
Foi por isto que, certo dia, eu me surpreendi quando nos encaminhávamos para as nossas respectivas salas, que ficavam em pavilhões separados. E para terminar um assunto qualquer, estacionamos num ponto do corredor em que deveríamos tomar direções diferentes. Pois foi enquanto estávamos ali, finalizando a conversa, que passaram por nós uns alunos da minha próxima classe, que eu cumprimentei, dizendo algo como: "podem ir subindo, que eu já chego à sala".
A resposta foi um "tá certo" e seguiram adiante. Logo em seguida encerramos a nossa conversa e cada qual tomou o seu rumo. Caminhei para a sala onde a turma esperava por mim, mas, já quase chegando à porta, sem que os alunos houvessem percebido a minha aproximação, ouvi um deles perguntar:
— Cadê o professor? Será que ele não vem hoje?
E também ouvi a resposta, que deve ter sido dada por um daqueles cretinos a quem eu cumprimentara, na passagem:
— Vem sim! Mas ainda está lá embaixo, "dando ideia" para aquela coroa!
“Dando ideia” é uma forma bem eloquente e concisa de explicar as coisas, diante de uma situação como aquela... Por isso mesmo, tive que me controlar, para não entrar na sala de aula dando uma risada. É evidente, porém, que eu jamais contei essa história para aquela a quem, segundo o moleque, eu estaria “dando ideia”.
  Mas, neste dia, confirmei duas coisas, que, aliás, eu já entedera sobre a relação entre discentes e docentes. A primeira é que, embora muitos professores nem imaginem, os alunos os observam e sempre percebem muito mais do que se passa com eles, do que do que a maioria de nós consegue supor. A segunda, é que, se existe um bichinho totalmente sem respeito no mundo, é esse tal de aluno!



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