Filhos de presidiários


Este texto foi usado como base para o concurso do DEGASE realizado neste domingo.
 Filhos de pai ou mãe presos passam por problemas como preconceito e abandono nos abrigos do município de São Paulo. Tal situação foi observada pela professora Maria José Abrão em sua pesquisa pela Faculdade de Educação da USP. O abrigo é um lugar que oferece proteção, uma alternativa de moradia para crianças que foram afastadas dos pais por diversos motivos, como violência doméstica, abandono e prisão do responsável.
 Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o abrigo é considerado provisório e excepcional, utilizável como forma de transição para posterior colocação das crianças e adolescentes em família substituta. No entanto, Maria conta o caso de um jovem de 14 anos que relatou estar no abrigo desde que nasceu. Seus pais foram presos há 14 anos e, desde então, ele e seu irmão, hoje com 17 anos, ficaram em regime de abrigo.
 – O jovem deveria ser reinserido na família com algum parente, isso é feito por intermédio de um trabalho com os familiares. Pela lei, a criança não deveria permanecer por tanto tempo no abrigo. Esta não pode ser uma solução para a criança, mas uma medida paliativa e de urgência –, comenta a professora.
 Esse mesmo adolescente também relatou situações de preconceito na escola. Colegas faziam brincadeiras por ele ser filho de presos e até os professores o tratavam diferentemente. Segundo Maria, o exemplo do garoto não é exclusivo. Outras crianças e adolescentes que vivem em abrigos sofrem com diferentes tipos de preconceito. Ao visitar alguns abrigos, a professora percebeu que seus dirigentes e funcionários temiam comentar sobre as crianças filhas de pais encarcerados.
 – As crianças acabam sendo penalizadas e estigmatizadas pelo crime do pai ou da mãe –, critica a professora, que aponta dificuldades que elas sofrem também para serem adotadas por causa do preconceito.
 Mas, ela relata um caso particular de quatro irmãos que tiveram a mãe presa. Um deles será adotado por uma família estrangeira; para que o processo de adaptação ocorra bem, o abrigo em que ele mora trabalha para que ele perca aos poucos a memória de sua mãe. Porém, Maria diz que a criança ainda tem um laço afetivo grande com sua mãe. Ela acredita que essa situação é complexa e pensa que prejudicará a criança.
 Segundo o ECA, os abrigos precisam preservar os vínculos familiares das crianças e não podem privá-las de liberdade, diferentemente neste aspecto de um internato. Apesar disso, Maria verificou restrições nos abrigos. Neles, não permitem que as crianças façam atividades escolares fora da escola ou do abrigo, além de não poderem visitar amigos fora desses locais.
 Além disso, as crianças e adolescentes que conversaram com a professora disseram que não tinham contato com os pais. Somente em um dos abrigos visitados o dirigente admitiu que uma vez levou as crianças para visitarem seus pais na prisão, mas ele disse que a experiência não deu certo.
 – A criança não escolhe se quer visitar os pais , o adulto decide o que ela faz. Os abrigos estão mais preocupados com a questão de presos dos responsáveis pela criança do que as condições deles como pais –, afirma Maria.
 Todos os relatos dos jovens que a professora obteve vieram de um abrigo que ela consultou para um trabalho de disciplina de sua pós-graduação na FE. Já em sua pesquisa, que fez parte de sua dissertação de mestrado pela FE, sob orientação do professor Roberto da Silva, nenhum abrigo permitiu que ela se aproximasse das crianças. De 20 abrigos consultados, somente sete permitiram que ela visitasse o local, com os dados vindos somente por via dos dirigentes.
Maria vê pouca preocupação com o a situação dos abrigos e do cuidado destinado aos filhos de presidiários pelas autoridades e comenta que há poucos trabalhos acadêmicos sobre o assunto.
 – As crianças filhas de pais presos são invisíveis, socialmente falando: pouco se sabe o que elas pensam, quem são, quantas são e onde estão. É urgente pensar políticas públicas para esse grupo a fim de garantir o direito à convivência familiar e comunitária como preconiza a lei.

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