REFLEXÕES SOBRE A PEDAGOGIA DO MESTRE V

A escola da vida e a vida da escola... Mais do que um jogo de palavras, as expressões parecem sugerir campos distintos. De um lado, o saber que, de repente, acontece, como bem sugeriu Guimarães Rosa. Do outro, o saber que é planejado, sistematizado, para acontecer (às vezes também de forma repentina, mas nem sempre). O apóstolo Pedro parece estar num espaço entre os dois campos mencionados, quando associa a sistemática habitual da escola a fatos da vida, ao perguntar ao Mestre: “Senhor, quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, para que eu lhe perdoe? Será até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes” (Mt 18, 21-22). Com a intenção de nos colocarmos também entre a escola da vida e a vida da escola, mais uma vez nos propomos a refletir sobre os ensinamentos que podemos amealhar com a passagem citada.
Quando Jesus, o divino psicólogo, nos recomenda o perdão, estará pensando no ofensor, naquele que ofendeu, mais do que no ofendido? Certamente que não. Porque o ofendido, mais do que o ofensor, é o guardião da ofensa, transformada em mágoa ou dor. Dessa forma, a cura do sofrimento causado pela ofensa sofrida, ou seja, a cura da ferida emocional, passa pela terapia do perdão.
Em nossa trajetória, todos nós nos deparamos com situações em que, ora necessitamos receber o perdão de outrem, ora necessitamos conceder o perdão. Num caso ou no outro, somos solicitamos ao exercício de perdoar. Mas, afinal, o que significa perdoar? Dada a dificuldade que ainda temos em definir – e mais ainda em praticar – optamos por tentar enumerar aquilo que NÃO é perdoar.
1- Perdoar não é fazer um favor a alguém – guardar rancor, ressentimento, adoece nossa alma, nosso coração. É fazer mal a nós mesmos. Ao perdoar, portanto, é a nós que fazemos um favor. Li outro dia (não havia citação do autor) que “perdoar é arrancar de si mesmo um espinho doloroso e infectado, capaz de envenenar uma vida inteira”.
2- Perdoar não é humilhar – impor condições ao adversário, ostentar o ato do perdão como de extrema generosidade, agride mais que estabiliza. Ser benevolente é não ter segundas intenções, é ser delicado com a suscetibilidade do outro e consigo próprio. Não posso usar o perdão como “bandeira” para assinalar: “sou tão superior a você que o perdoo”.
3- Perdoar não é justificar – perdoar não é fazer de conta que nada aconteceu, ou minimizar a atitude do outro. Não é desculpar o outro, como se não tivesse importância. É reconhecer que a atitude do outro foi mais grave ou menos grave, mas que o perdoa, apesar dela. Ao se deparar com a mulher adúltera, Jesus não a condenou, tampouco justificou seu comportamento. Ao mandá-la embora, disse: “Vai e, de agora em diante, não voltes a pecar.” (Jo, 8).
4- Perdoar não é esquecer – esquecer ou lembrar um fato depende da memória de cada um, não de nossa vontade. Então, o perdão não está na nossa capacidade ou não de esquecer, mas no desgaste ou equilíbrio interior com que lidamos com a lembrança do fato. Perdoamos quando aquela lembrança não mais nos constrange, não nos fustiga a alma.
Que é perdoar, então? Perdoar é atitude íntima, pessoal, decorrente de uma decisão firme em prol do amor que temos por nós mesmos. É também a generosidade que devemos ter conosco e com nossas necessidades de equilíbrio e paz interior. Perdoar é promover a cura, como aponta Santo Agostinho: “Se um homem mau te ofende, perdoa-lhe, para que não haja dois homens maus.”
Nem sempre é possível, ou mesmo necessário, falar sobre a atitude de perdoar. Quem me ofendeu pode estar longe, inalcançável ou, simplesmente, não querer me ouvir. Talvez nem mesmo se recorde de me haver ofendido. Como podemos, então, identificar que fomos capazes de perdoar?
Jesus nos fala: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam. (Lc 6, 27-28). E ainda: “O que desejais que os outros vos façam, fazei-o também a eles. Se amais quem vos ama, que recompensa tereis?” (Lc 6,31-32). Em Romanos 12, Paulo assim se manifesta: “Se teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber (...) Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem”.
A essência do que Jesus e Paulo nos falam está em não desejar o mal ao outro, mas ser capaz de fazer o bem ao ofensor, de ajudá-lo quando em necessidade. Enfim, o perdão nos liberta para construirmos um caminho novo, muitas vezes (até) em presença do ofensor.
Se seu coração está povoado de ofensas, tenha compaixão do ofensor e segue em frente, dando ao mundo o melhor que possas, pois nessa mesma medida em que deres ao mundo, receberá de volta. Aos que tombam no caminho, já lhes é suficiente os ferimentos da queda. Preservar nossa serenidade, entendendo que encontramos e encontraremos adversários pela vida e lembrarmos continuamente do supremo gesto de Jesus, no instante derradeiro de sua passagem entre nós: “Perdoai-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem”. Que nossa meta seja a de nos aproximarmos desse ideal.

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